ArtigosRio de Janeiro

Wagner Victer – Barcos entre Galeão e Santos Dumont: realidade, diversionismo ou factoide?

Vista aérea do Aeroporto Santos Dumont

A grande maioria de soluções, especialmente aquelas voltadas para logística, se tornam viáveis tecnicamente por meio do bom uso da engenharia. Contudo, o grande aspecto que deve se considerar é: até que ponto é viável economicamente dentro das variáveis que são: os investimentos, também conhecido pelo jargão “Capex”, e os custos operacionais, também conhecidos como “Opex”?

Na discussão ferrenha que trata da organização do espaço aéreo oriundo dos Aeroportos do Galeão e do Santos Dumont, a cada semana surge uma novidade. No passado falavam da ligação por trilhos, conhecido como “trenzinho para Ilha, que até parecia que poderia sair de um dia pro outro. Agora, repentinamente, surge na mídia, como se fosse uma grande novidade, uma “Ligação Marítima” para fazer a interconexão do Aeroporto Santos Dumont com o Aeroporto Galeão e vice versa. Um discurso que como sempre demoniza o acesso à Linha Vermelha como um “corredor da morte” aceitável para os moradores da Ilha do Governador, da Baixada Fluminense e os alunos das UFRJ, mas nunca pelos viajantes da zona sul, aliás, como se todos os passageiros viessem de lá ou fossem para lá.

É óbvio que transportes marítimos, especialmente dentro de águas abrigadas, que é o caso da Baía de Guanabara, sempre serão viáveis tecnicamente, porém a grande maioria das pessoas que comentam o novo anúncio e que bateram palmas como focas, alguns inclusive em grupos de empresários, sequer pararam para olhar o mapa da Ilha do Governador, o posicionamento do Aeroporto Internacional do Galeão e sua eventual chegada ao Santos Dumont ou instalações acessórias, que nesse caso são consideradas a Marina da Glória.

A Ilha do Governador, que por acaso conheço muito bem sua questão logística, não só por ser engenheiro, mas principalmente por morar no bairro desde os meus 5 anos de idade, tem características especiais que quem estuda o tema deve analisar especialmente a navegabilidade, todo assoreamento da Baía e alguns canais específicos em função da restrição ao movimento das águas, grande parte surgida em função da criação da Ilha do Fundão que deriva da junção do aterro de pequenas ilhotas, o que desfavoreceu a questão do fluxo natural de águas dentro da Baía e que circunda toda costa da Ilha.

O Aeroporto Internacional do Galeão não fica na parte da Ilha que é chamada de “boca da Baía de Guanabara”. Ele se localiza ao fundo da Baía de Guanabara, em uma região bastante assoreada e grande parte da pista está voltada paro bairro quase oculto de Tubiacanga que quem é da Ilha do Governador conhece bem.

Falar de transporte entre aeroportos da maneira como está sendo feita é ter uma visão bastante turva, como se o problema que existe na organização dos Aeroportos Santos Dumont e Galeão fosse somente problema de interconexão entre aeroportos e como se esta tivesse grande demanda desses usuários. Esse tema é tratado como se essa fosse a principal causa do que aconteceu até o momento. É desconhecer totalmente o tema, jogar uma luz difusa sobre o tema que requer ações concretas ponto a ponto e bastante objetivas.

O mais interessante é que as soluções muitas vezes não surgem da criatividade, mas sim de algum interesse específico de pessoas que querem ou algum tipo de projeção ou até ganhar de fato algum recurso para fazer os estudos. Vimos isso no Brasil de maneira muito clara no clássico caso do Trem Bala que até hoje virou sinônimo de factóide na área de transporte e logística. Aliás, descobrir a possível ligação marítima entre aeroportos como sendo toque de Midas é querer descobrir , do nada e até de forma provocativa a lógica, uma idéia já estudada por décadas.

O fato é que o transporte do Galeão ao Centro do Rio já aconteceu e existia até pouco tempo de maneira irregular travestida de transporte classificado como de “turismo” que saía todas as manhãs e que foi denunciado para Capitania dos Portos, pois acontecia próximo ao antigo Píer da Peixaria (Siri do Galeão), ou seja, no bairro do Galeão e não no Aeroporto do Galeão que inclusive muitos confundem, até porque existe no meio não só uma longa via de acesso ao Aeroporto, mas também a Estrada do Galeão com duas pistas Esse tipo de transporte desde que devidamente regulado e licitado, poderia até acontecer, mas na prática não traria benefício algum para o Aeroporto do Galeão e as pessoas desavisadas começam a confundir isso.

É claro que poderiam existir outras saídas logísticas aproveitando a parcela da pista do Antigo galeao ou o Terminal de Cargas que ficam próximos a chamada costa oeste da Ilha do Governador que aliás é uma região também bastante assoreada e é frontal a parte continental da Cidade do Rio de Janeiro e que traz paralelos com Avenida Brasil, Mercado São Sebastião e até com a famosa Praia de Ramos. Com isso teríamos sim uma logística terrestre de passageiros por dentro do Aeroporto, porém num percurso marítimo extremamente longo e conturbado para chegar ao Centro.

A pergunta que mais uma vez faço é: será que descobriram a roda? Será que a questão de transporte marítimo dentro da Baía, que é algo bastante óbvio, resolveram descobrir somente nesse momento ou isso é mais uma manobra diversionista para desviar o foco do que realmente precisa ser feito ??

É óbvio que o transporte marítimo de uma forma ou de outra sempre será viável tecnicamente, mas a que custo aconteceria tanto o chamado capex e opex? E quem subsidiaria essa conta? Até porque o valor dessa operação seria extremamente elevado e isso seria pago por quem? Pelo Poder Público? Pela tarifa do viajante? Pelas tarifas de embarque? Isso não fica claro e isso é o cerne da questão e aqueles que ficaram em frenesi não conseguiram sequer enxergar.

O fato é que conhecendo minimamente a geografia da Ilha do Governador, a geografia do Aeroporto Internacional do Galeão, e a própria geografia da chegada da Marina da Glória e sua relação com o Aeroporto Santos Dumont, seria necessário uma logística interna terrestre significativa dos passageiros que sairiam dos voos de ambos os aeroportos e com isso uma perda de tempo extremamente elevada que certamente não compensaria até um eventual engarrafamento na Ilha pela Linha Vermelha, mas como disse, no papel cabe tudo e a Engenharia sempre consegue viabilizar soluções técnicas, porém é fundamental que elas tenham substância econômica para que possam ser implementadas e que principalmente essas soluções não estejam sendo colocadas para mascarar outras medidas, algumas de caráter muito simples para mitigar os eventuais impactos com a Linha Vermelha.

Na linha das medidas simples, estranho que ainda não tenham sido feito, estão: a substituição das anteparas quebradas que existem na Linha Vermelha há mais de 6 anos, a demolição de imóveis junto à essa via, a colocação de câmeras inteligentes para coibir eventuais práticas ilegais e a permanente circulação de motos pela Polícia Militar que reduziria a sensação de insegurança de muitos que criticam o acesso ao Aerroporto Interncional do Galeão.

Há um conjunto também de pequenas intervenções de obras logísticas que ajudam em muito desafogar a Linha Vermelha e que já publiquei como mero Engenheiro interessado no assunto que seriam algumas intervenções que custariam algo da ordem de 300 a 400 milhões e que poderiam ser subsidiadas não só pelo Poder Público, mas também pagos com os próprios valores de outorgas que são exigidas normalmente junto ao Aeroporto do Galeão. Claro que essas intervenções requerem uma análise mais aprofundada da execução de um Projeto Básico para que possam retirar os eventuais gargalos que dão engarrafamento, em especial para aqueles que acessam a Ilha do Governador, mas que tem um impacto da subida da Linha Vermelha para a Baixada que gera ao final da tarde uma restrição significativa no fluxo.

O Aeroporto Internacional do Galeão, que é o maior Aeroporto e o mais moderno do país, deixou de ser a principal porta de entrada do país para virar uma nova arena de lançamento de ideias, factoides, manobras diversionistas e, para alegria de muitos, soluções de engenharia.

Vamos aguardar e tomar cuidado para não cair em novas soluções que existem desde a época do Império ou outras tecnologicamente e com pirotecnia das maquetes virtuais que nós Engenheiros sempre conseguimos criar.


source

Compartilhe:
WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com