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Vitor Friary – Saúde mental e desastres ambientais: como o Mindfulness pode ajudar no trauma da população do Rio Grande do Sul

A crise climática tornou-se uma realidade inegável, trazendo consigo uma cascata de eventos traumáticos que afetam milhões de pessoas em todo o mundo. Em maio de 2024, o estado do Rio Grande do Sul no Brasil enfrentou enchentes devastadoras, causadas por chuvas incessantes, que deixaram milhares de pessoas sem abrigo, enquanto os rios transbordavam e cidades eram submersas. Esses eventos catastróficos não apenas causam destruição física, mas também deixam cicatrizes psicológicas profundas, frequentemente chamadas de trauma climático. Compreender e abordar esses impactos na saúde mental é crucial e a atenção plena e a psicologia positiva surgem como ferramentas promissoras nessa empreitada.

O Impacto Psicológico dos Desastres Climáticos

Desastres climáticos, como as enchentes no Rio Grande do Sul têm profundos efeitos na saúde mental. Uma pesquisa desenvolvida na Universidade da Califórnia, San Diego em 2021, destacou aumentos significativos nos sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ansiedade e depressão entre os diretamente e indiretamente afetados por desastres ambientais nos Estados Unidos. Aproximadamente 35% das pessoas diretamente expostas relataram sintomas agravados de TEPT, com ansiedade e depressão também prevalentes. Mesmo aqueles que apenas testemunharam o desastre, mas não sofreram perda pessoal, exibiram problemas de saúde mental elevados.

O Papel da Atenção Plena (Mindfulness)

A atenção plena, ou mindfulness como é popularmente conhecido, definida como o processo de atenção aberta e consciente do momento presente, é uma poderosa ferramenta para mitigar os impactos na saúde mental do trauma após desastres ambientais. Ela ajuda os indivíduos a se distanciar ou desapegar de pensamentos e emoções angustiantes, promovendo uma maior resiliência para lidar com essas sensações difíceis. Estudos mostram que a atenção plena pode reduzir sintomas de ansiedade e depressão e melhorar funções cognitivas, como atenção e regulação emocional.

No contexto do trauma climático, a atenção plena permite que os indivíduos processem seu luto e ansiedade sem serem dominados por esses pensamentos e emoções. Ao focar no momento presente, as pessoas podem ganhar uma sensação de controle e calma, essencial para lidar com as consequências de eventos traumáticos. A psicologia positiva enfatiza pontos fortes, virtudes e fatores que contribuem para uma vida plena. Ao lidar com o trauma climático, fomentar um senso de resiliência pessoal é crucial. Indivíduos que acreditam em sua capacidade de superar adversidades, mantêm conexões sociais próximas e se engajam em estilos de vida ativos estão melhor protegidos contra os impactos negativos na saúde mental. A pesquisa realizada na Universidade da Califórnia San Diego revelou que um forte apoio familiar, amizades próximas e um senso de comunidade protegem significativamente os indivíduos de desenvolverem problemas de saúde mental. Isso destaca a importância da coesão social e das intervenções baseadas na comunidade para aumentar a resiliência contra o trauma induzido pelo clima.

A integração da atenção plena e da psicologia positiva nas intervenções de trauma climático é promissora. Essas abordagens podem transformar a ansiedade ecológica e o luto ambiental em ação climática proativa. Por exemplo, a Iniciativa de Mudança Climática e Saúde Mental da Universidade da Califórnia está incorporando a atenção plena nos currículos climáticos para promover a resiliência dos jovens, com o objetivo de converter o sofrimento climático em envolvimento significativo e ativismo. Mais pesquisas são essenciais para refinar essas intervenções e entender sua eficácia em populações diversas. Também é importante reconhecer que a atenção plena e a psicologia positiva não são soluções universais. Adaptar as intervenções para atender às necessidades e contextos individuais será a chave para seu sucesso.

A crise climática é um desafio global urgente que exige soluções com um foco holístico que abordem tanto os impactos ambientais quanto psicológicos. O mindfulness e a psicologia positiva oferecem ferramentas valiosas para fomentar a resiliência e a cura diante do trauma por consequências de desastres ambientais. Ao abraçar essas práticas, pessoas e comunidades podem construir a força interior necessária para enfrentar os desafios de um clima em mudança, contribuindo, em última análise, para um futuro mais sustentável e esperançoso.

Vitor Friary é psicólogo clínico especializado em Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness e diretor do Centro de Mindfulness. Tatiana Moya é psiquiatra da infância e da adolescência.

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