Turismo

Veneza e a loucura das massas

Eu estava prestes a celebrar a primeira manhã de sol depois de três dias de chuva ininterrupta quando ao cruzar a ponte do Mundo Novo, saindo do Campo Santa Maria Formosa, eu achei que estava celebrando cedo demais.

Uma pequena multidão, que nem parecia feita de grupo de excursão, se materializou na estreita passagem e me fez desejar que as chuvas voltassem para espantá-la. Malditos viajantes a perturbar a bela Veneza. Aliás, como eu.

Estou brincando, claro, com aquela reclamação tola de visitantes de um lugar notoriamente explorado turisticamente que esquecem que fazem parte exatamente dessa reclamação.

Não ia a Veneza desde 2008, quando tive a sensação de estar andando no Louvre por galerias infinitas ornadas apenas com a “Mona Lisa“. Pelo visto nada mudou de 16 anos para cá. Nem o poder da cidade de nos encantar.

Escolhi passar esta semana em Veneza por um motivo talvez óbvio: nunca havia estado na cidade durante uma bienal e quis viver essa experiência. Ainda mais numa edição em que o curador é um brasileiro e amigo: Adriano Pedrosa.

La Bienalle, a única que de tão famosa dispensa especificar em que cidade ela acontece, inaugurou em abril e desde então eu tentava achar alguns dias livres no ano para visitá-la. E calhou de ser agora.

Antes de embarcar, já fiquei um pouco ansioso por conta da meteorologia. Para despistar a chuva, me programei para visitar as exposições paralelas à Bienal nos primeiros dias e fui recompensado com excelentes surpresas.

Artistas como Erwin Wurn e Eva Jospin me levaram a conhecer lugares estupendos e para mim inéditos, respectivamente a biblioteca Marciana e o museu Fortuny. A Marciana, dentro do museu Correr, é uma preciosidade rara.

O próprio Correr me fez sentir um imbecil por nunca tê-lo visitado antes. E o Fortuny me pegou tão de surpresa que meu impacto ao percorrer suas salas, que foi a residência e ateliê do grande Mariano Fortuny no início do século 20, não cabe no espaço que ainda tenho hoje aqui. Prometo dedicar a próxima coluna exclusivamente a ele.

Mas voltando às multidões, nos primeiros dias mais que úmidos, elas pareciam tímidas. Vi pouca gente no caminho para a Punta della Dogana, onde, no Palazzo Grassi visitei minha primeira exposição dessa temporada: as transformadoras instalações de Pierre Huygue.

Enfrentando pingos finos d’água, me arrisquei a algumas compras, descobrindo um “palazzetto” da gastronomia chamado Cibo, onde comprei queijo suficiente para eu ter problemas com a Anvisa e encontrando a dona de uma papelaria “vintage” (os papéis mais novos à venda eram dos anos 70) que trazia na porta o aviso: “raramente aberta”!

Descobri bons restaurantes vazios, como a Osteria al Mascaron (clássico) e o Local (de autor). Fiz uma suave degustação de grappa na Poli e cruzei incontáveis pontes apaixonantes. E aí veio o sol…

As espremidas ruas de Veneza nunca me pareceram tão claustrofóbicas. Ouvia algazarras em línguas às vezes difíceis de identificar. Senti-me ao mesmo tempo repelido e atraído por toda essa bagunça. Mas acima de tudo me senti feliz.

Estava num dos lugares mais bonitos do mundo e sabia que ia sair dali com muitas histórias para contar. Como você vai ver nos próximos capítulos…


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