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‘Toma rajadão’: funk de baixo calão é atividade extracurricular em creche do Rio

“Bola aê, brisa aê que hoje a noite é de prazer”, diz a música aqui dançada alegremente pela diretora Fernanda Alvarenga com seus alunos de 3 e 4 anos de idade

Bola aê, brisa aê que hoje a noite é de prazer“, diz a música ao som da qual crianças da Creche Municipal Luiza Barros de Sá Freire, na Zona Norte do Rio de Janeiro, aprendem passinhos de funk no pátio. Diferentemente do caso do “Cavalo Tarado”, em que servidoras “apenas” assistiam – animadas – o show dos integrantes da Cia Suave, que recebeu 50 mil reais da prefeitura carioca para realizar apresentações em 4 escolas, neste caso, a própria diretora da unidade, Fernanda Alvarenga, “puxa o bonde“, pra usar a terminologia usada pelos fãs do estilo musical.

A educadora, que se intitula “bagulho doido” nas redes sociais (foto), posta com freqüência os vídeos da recreação que ela mesma protagoniza, enquanto dança e coreografa a melodia de funks eróticos, ensinando aos miúdos o ‘rebolar’ tão comum ao estilo musical, dentro das dependências da escola destinada a crianças de tenra idade e sustentada por dinheiro público. Nas redes sociais da Creche, o que se imagina referir-se à polêmica atividade é descrito assim: “Brincadeira “passinhos”: desenvolvimento da coordenação motora ampla, coordenação visiomotora, planejamento motor, orientação espacial”. Alvarenga se orgulha de animar os pequenos a cantar e dançar ao som do funk, rotulando seus vídeos em ação: “Rainha dos baixinhos da Shopee”, “Segue a líder”, “venci na vida pq trabalho com gente q me ama e me idolatra”.

Os “passinhos” chegaram a ser incluídos no rol oficial de atividades da Creche de Costa Barros; a diretora Fernanda Alvarenga conduz pessoalmente a “aula”

Mas nem todo mundo parece idolatrar o método escolhido. A denúncia chegou ao DIÁRIO DO RIO acompanhada de vídeos e depoimentos de mães, desesperadas com a exposição de suas filhas e filhos ao estilo musical cuja escuta, no mínimo, deveria ser escolha de adultos ou adolescentes. “Já tentei de tudo e não dá em nada. Meu filho está exposto a isto, por favor não me identifique porque tenho medo“, disse uma mãe que chamaremos de M., nervosa. Outra responsável, J., explica o drama: “Tenho medo do que minha filha possa sofrer lá, e preciso trabalhar e não posso pagar uma creche particular“, pontua. M. diz que o problema vem do fato de a própria diretora conduzir a creche desta forma: “ela também dança funk de apologia ao crime e com apelo sexual junto com as crianças de no máximo 3 a 4 anos. Já tentamos de tudo e nada muda essa realidade. Tem os vídeos porque ela mesma filma e publica no próprio Instagram achando maravilhoso”. A servidora diria sempre que “arrasta mais crianças que a Xuxa””, expõe, indignada.

Instagram da diretora Fernanda Alvarenga, servidora pública que posta vídeos ensinando às crianças os “passinhos” de funk ao som das músicas de porno-funk

O DIÁRIO teve acesso a 7 vídeos mostrando a diretora “bagulho doido” em ação, todos postados por ela mesma em sua conta na rede social Instagram. Nos vídeos, foi possível reconhecer, ao fundo, pelo menos as duas músicas cujas letras reproduzimos abaixo, junto com os vídeos e as danças protagonizadas pela servidora pública nas dependências da creche de Costa Barros.

Música: Tá ok, tu é (sic) gostosa então joga tudão

‘Tá ok, ‘tá gostosa, então joga tudão
Vem que vem, outra vez
Sentar pro chefão
Sua marquinha de biquíni ‘tá maior pressão
‘Tava querendo rever esse teu pacotão
Então toma, toma, toma, toma, toma
Toma, toma, toma, toma, toma, toma
Bola aê, brisa aê que hoje a noite é de prazer
Faz o que quiser fazer
Pode até subir e descer
No papi faz assim
Vem ni’, vem ni’, vem ni’ mim
Que-que hoje eu ‘to facin’
‘To fa’, ‘to fa’, ‘to facin’
Então toma, toma, toma, toma, toma
Toma, toma, toma, toma, toma, toma

Música: Ensaio das Maravilhas

Desce, sobe, toma rajadão
Desce, sobe, toma rajadão
Desce, sobe, toma rajadão
A segunda maravilha acabou de terminar
Agora ela ‘tá solteira e ninguém vai segurar
Vai bate, vai bate
Com a bunda no calcanhar
Vai bate, vai bate
Com a bunda no calcanhar
Vai bate, vai bate

Com a bunda no calcanhar
A terceira e a quarta são melhores amigas
Joga a perna pro alto no passinho do gira-gira
Gira, gira, gira, gira, gira, gira, gira, gira, gira, gira, gira, gira
Girou?
Agora todas as meninas faz sincronizado
Manda um quadradinho chamando o Pedro Sampaio
Pedro Sampaio, vai

A uma das mães que falou em sigilo com o DIÁRIO perguntamos uma coisa que vem à cabeça quando falamos genericamente do assunto funk nas escolas: “Mas estas músicas não são ouvidas comumente, em mídias como o TikTok e mesmo nas casas das pessoas?“. De forma contundente, ela respondeu: “cada um escolhe o que põe em casa pra seus filhos. Mas a escola é feita pra elevar as crianças, dar acesso à coisas que as vezes a gente nem conhece, pq não teve oportunidade. Se for pra ouvir essas desgraça (sic) que diferença faz soltar minha filha na rua ou com professora?“.

As Diretoras das 4 escolas que receberam em suas escolas a escandalosa apresentação do “Cavalo Taradãoforam afastadas pelo Secretário Municipal de Educação Renan Ferreirinha, após a reportagem do DIÁRIO DO RIO, e uma sindicância foi aberta. A apresentação ao som de porno-funk, feita perante crianças pequenas a partir de 5 ou 6 anos de idade, teria sido classificada como “livre” pela produtora segundo o órgão, embora o site da Cia Suave informe hoje que seria para crianças a partir de 12 anos. A Prefeitura disse que buscará reaver os 50 mil reais pagos pelo show de horrores. Mas o que fazer quando quem conduz tudo e chega a incluir uma atividade dessas no rol de “brincadeiras” feitas oficialmente – a rede social da Creche é clara – com as crianças é a servidora pública encarregada da gestão da unidade educacional onde pais e mães deixam seus filhos pequenos enquanto vão trabalhar?

As palavras das mães ainda levantam uma dúvida. Elas informam que “já fizeram de tudo”para que seus filhos tenham um ensino com base pedagógica. As mães alegam que foram ao Ministério Público no ano passado fazer uma reclamação sobre o assunto e que este teria encaminhado a questão à Secretaria de Educação, num ciclo sem fim de empurra-empurra enquanto seus filhos são ensinados a “rebolar até o chão” e “mandar um quadradinho”, ou “sentar pro chefão”. “Empurra-empurra“, aliás, pode inspirar algum compositor do estilo que parece ter se tornado tão querido pelos educadores cariocas. Sem grandes esperanças, M. pergunta: “até quando?”.

Atualização – 30/08/2023 – 19h30

Em nota, a secretaria municipal de Educação informou que o secretário Renan Ferreirinha determinou o afastamento da diretora da unidade citada e que “não tolera o uso de qualquer música ou apresentação com conotação sexual para crianças em creches e escolas municipais do Rio. Por este motivo, a diretora da unidade foi afastada do cargo e uma sindicância foi aberta para apurar o caso. A Secretaria seguirá conduzindo com o rigor necessário e não tolerará que nossas crianças sejam expostas a conteúdos impróprios de forma alguma”.


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