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Somos palhaços? Após nova restauração, Chafariz da Glória é vandalizado de novo

O Chafariz da Glória, numa das dezenas de vezes que foi vandalizado, e depois consertado, com o nosso dinheiro porcamente gasto pelas autoridades / Foto: Grupos do Facebook

Ainda bem que o DIÁRIO DO RIO é um jornal online. Porque se fosse impresso já estaríamos irritados de gastar dinheiro com tinta pra imprimir que o histórico Chafariz da Glória foi novamente (novamente!) vandalizado por criminosos. Falamos disso aqui. Depois aqui. Mais adiante, aqui. Não vou cansar vocês. São cerca de 20 matérias explicando como o chafariz de 1772 foi destruído, depenado, arrebentado, pichado, subtraído, transformado em moradia de mendigos, arranhado, quebrado, depauperado. E outras tantas explicando como o Poder Público tinha consertado o pobre monumento, que fica numa das vias de maior destaque e visibilidade da região, numa avenida larga e de onde é possível vê-lo a centenas de metros de distância. O monumento foi pintado, restaurado, reconstituído, adotado, abraçado e fotografado por protetores do patrimônio, a cada vez que foi vilipendiado por vagabundos sem cultura cujo maior prazer é justamente ver seus garranchos em destaque em mídias como esta. O ódio é deles. Mas o prejuízo é nosso. E a incompetência é das autoridades.

Só que nossas autoridades estão fazendo o que é o sonho de muita gente: jogando o dinheiro (o nosso!) pro ar, consertando sem parar e achando graça porque, afinal, o dinheiro não é deles, e ainda podem aparecer bonitinhos na foto de cada uma das dezenas de restaurações que, no fim das contas, só ocorrem justamente porque não são capazes de colocar 2 gatos pingados passando pra lá e pra cá na frente do monumento – aproveitando para garantir a segurança da região, que – neste caso – tem bares, restaurantes, moradores e muita história. Acabaram de divulgar que serão gastos mais de 20 milhões de reais para revitalizar a Praça Paris, quase em frente ao pobre chafariz de menos de 10 metros que eles não conseguem manter 1 semana sequer sem ser destruído por esses calhordas que odeiam…tudo. E a Praça Paris, vai durar quanto tempo?

(texto continua após o vídeo)

Citamos aqui este monumento em específico mas podemos citar vários outros. Na Praça XV, a incomparável incompetência do bispo-prefeito ocasionou a subtração de praticamente todo o monumento ao General Osório, que era inclusive cercado por grades que haviam sido fundidas com os canhões paraguaios que apreendemos depois de derrotar o ditador Solano López. Ou os óculos do Carlos Drummond de Andrade, em Copacabana, que viraram uma espécie de fetiche de ladrões de galinha. Mas o caso da Glória é emblemático pois nele a gente acaba vendo o ódio que esses vândalos têm do que é belo e do que traz à tona nossa herança. Vândalos burros – pleonasmo – pois esta herança pode trazer divisas bilionárias que seriam utilizadas em favor de todo mundo, inclusive deles e das causas que por ventura defendam em suas cabecinhas limitadas.

A cidade do Rio de Janeiro precisa valorizar seu patrimônio histórico, não só porque isto é o que um povo civilizado faz; mas porque só com educação patrimonial, só conhecendo nosso vasto patrimônio cultural aqui deixado por nossos antepassados, é que vamos conseguir amá-lo e sair do ciclo vicioso de destruição contínua de algo que não só traz beleza pra nossas vidas como também pode nos gerar imenso e vultoso fluxo financeiro vindo do turismo.

Sim, turismo. Nem só de bundas, verde e paisagem precisa se sustentar o turismo de uma cidade. Muito menos de uma cidade que foi Capital de um Império Colonial que se estendia pela América, Europa, Ásia e Oceania, que possui algumas das mais belas igrejas barrocas do mundo, construções do século XIX de fazer inveja a Capitais Européias, monumentos e prédios no estilo Belle Epoque, e mesmo construções no badalado estilo Art Déco, do qual o Cristo Redentor é o maior ícone mundial. Isso sem contar ícones do modernismo – essa vai pra quem chama as belezas do nosso Centro Histórico de ‘velharias’- e prédios contemporâneos de arquitetura imponente como o Museu do Amanhã, o futuro (?) Museu da Imagem e do Som em Copacabana, e até a Cidade da Música ou a Catedral Metropolitana.

Patrimônio Histórico e Cultural bem cuidado trabalha por nós; é máquina de fazer dinheiro, e de fazer cultura. Máquina de fazer gente melhor. Em certas capitais da Europa, mais de 30% da população está trabalhando em prol ou por conta de algum patrimônio histórico; não só os restauradores, artistas, artesãos, mas o funcionário que trabalha, por exemplo, na Confeitaria Colombo ou no Gabinete Português de Leitura, deve seu emprego a toda aquela beleza. Quando um imóvel histórico destes está aberto e funcionando, ele às vezes se torna um atrativo maior até do que a atividade ali exercida. Quem nunca foi num restaurante em algum país estrangeiro, atraído pela beleza do prédio, e no fim, depois de comer, acabou pensando: “isso aqui é mais pelo visual do que pela comida”? A mesma coisa pode ocorrer aqui; e em qualquer lugar.

Claro que tudo isso é muito bonito, “conhecer pra amar” é óbvio que é um processo longo. Este processo tem que começar agora. E as autoridades que escolhemos pra cuidar da nossa cidade também têm que começar a trabalhar agora. Chega de pagarem sucessivos restauros do mesmo monumento com nosso dinheiro, que acabam tratando como se fosse lixo, simplesmente porque são incompetentes para criar um sistema de vigilância que pegue um ou dois vagabundos como este que pichou agora pela milésima vez o Chafariz da Glória e os faça servir de exemplo. É certo que não é impossível haver vigilância que nos faça parar de ser palhaços, principalmente num caso como este em que já sabemos o local e o crime que vai ser cometido. A propósito, o maior problema da guarda não era a escala? Cadê a força que também tem que cuidar do patrimônio público?

Descrição Oficial do Monumento no site do IPHAN
Durante o vice-reinado do Marquês do Lavradio (1769-1779), foi construído o Chafariz da Glória, no ano de 1772, no qual se lê a seguinte inscrição em latim, aqui traduzida: “Luiz de Almeida, Marquês do Lavradio, que refreou as inundações do mar, construindo um grande muro, aumentou as rendas e dignidade do Conselho, restaurou os edifícios públicos, cortou os outeiros, igualou, tornou mais cômodas as ruas e renovou a cidade. O Senado e o Povo do Rio de Janeiro, ergue em 1772”. O chafariz foi restaurado na década de 60, em conseqüência da alteração sofrida em 1905, durante a reforma urbana do Prefeito Pereira Passos. Trata-se de um tanque amplo de cantaria para o qual vertem quatro bicas. Possui duas pilastras encimadas por entablamento e frontão curvo, o qual possui no centro um tímpano de alvenaria, o qual termina em cimalha, sobre a qual se encontra uma urna com forma caprichosa.


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