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Ricardo Nunes recebeu repasses desviados de creches, diz investigada pela PF em vídeo

Uma investigada pela Polícia Federal no caso que ficou conhecido como máfia das creches afirma que o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) recebeu repasses de verbas municipais desviadas de unidades de ensino infantil de São Paulo quando ainda era vereador da cidade.

As declarações estão em vídeo obtido pela Folha gravado por Rosângela Crepaldi. Ela é alvo de uma operação sobre o caso que mira suspeitas de ligação entre um escritório de contabilidade e empresas envolvidas nos supostos desvios.

Por meio de sua assessoria, o pré-candidato à reeleição nega qualquer irregularidade e diz nunca ter sofrido qualquer acusação no inquérito no qual Rosângela foi investigada.

Também afirma que causa perplexidade o vídeo ser divulgado a dois meses das eleições e que as declarações serão analisadas pela defesa do prefeito para que ela responda por denunciação caluniosa.

Procurada pela reportagem, a defesa de Rosângela diz que o vídeo foi produzido por questões de segurança e que não havia intenção de torná-lo público.

Segundo a descrição do suposto esquema nas investigações, ONGs que administram creches municipais teriam recebido de volta parte do dinheiro contabilizado como despesas com materiais. As empresas faziam os repasses via cheques, depósitos e boletos, beneficiando pessoas ligadas à administração dessas entidades.

Conforme a Folha revelou em 2021, Nunes e uma empresa de sua família, a Nikkey Serviços S/S Ltda, receberam em 2018 valores de uma firma chamada Francisca Jacqueline Oliveira Braz, tida pela polícia como suspeita de ser uma grande ‘noteira’ (fornecedora de notas) da máfia das creches.

Segundo documento da Justiça Federal obtido pela reportagem, foram dois cheques no valor de R$ 5.795,08 cada um para Nunes em fevereiro daquele ano, revelados após quebra de sigilo bancário.

Ainda de acordo com o documento, a suposta empresa ‘noteira’ enviou outros R$ 20 mil à Nikkey, companhia de controle de pragas em nome da mulher do prefeito, Regina, e de uma filha dele de relacionamento anterior, Mayara.

O prefeito sempre alegou que o repasse decorreu de uma prestação de serviços.

No vídeo gravado por Rosângela, ela descarta a prestação de serviços por Nunes e diz ter atuado na devolução desses valores a pessoas ligadas às ONGs.

“Foi repasse”, disse. “[Nunes] nunca prestou nenhum serviço”, completa, em trecho de vídeo obtido pela reportagem.

A PF investiga ainda repasses milionários feitos pela Acria (Associação Amiga da Criança e do Adolescente), entidade que gere creches conveniadas da prefeitura na zona sul de São Paulo com a qual Nunes tem proximidade. Nos vídeos, Rosângela trata do tema.

“Todo esse trâmite da Acria era administrado por essas pessoas [ligadas a Nunes], mas a gente sabia que era ele [Nunes]. Inclusive quando foi para formalizar o contrato com a Acria foi ele que veio no meu escritório e falou comigo. Agora, os cheques foram enviados e a gente não sabia o destino de cada cheque”, disse.

Rosângela detalhou a atuação de pessoas ligadas a Nunes, como Valderci Malagosini Machado, ex-subprefeito indicado pelo emedebista, e de uma antiga funcionária de Nunes que dirigiu a Acria, chamada Elaine Targino.

Ela afirma que a entidade contratou o escritório de contabilidade Fênix, investigado por suspeita de atuar no esquema com prestação de contas irregulares.

“Todo o repasse era contabilizado. Esse dinheiro entrava na conta dos fornecedores e os fornecedores repassavam o que não era de compras para a empresa [entidades]”, disse.

“Não tem uma média de percentual, porque a a Acria comprava muito. Então comprava assim R$ 500 mil, retornava R$ 200 mil”, disse.

Segundo ela, inicialmente a Acria recebia esses repasses por meio de cheques, entregues a pessoas ligadas à entidade. Rosângela também afirmou que chegou a pagar supostos boletos que seriam de uma empresa de Valderci.

Indiciada sob suspeita de participar de suposta organização criminosa, Rosângela aparece na investigação como ligada à empresa Francisca Jaqueline e supeita de atuar também na Fênix.

O vídeo obtido pela reportagem não faz parte de inquérito da Polícia Federal sobre o assunto. Nos autos, Rosângela se manteve em silêncio.

Segundo nota do advogado William Albuquerque de Sousa Faria, que a defende, ela “produziu o referido vídeo por razões de segurança, sem a intenção de torná-lo público”.

Segundo a defesa, “cópias foram entregues exclusivamente a pessoas de confiança e para sua surpresa, o vídeo chegou às mãos de jornalistas”.

A defesa afirmou ainda que não irá se manifestar sobre o assunto e que está “à disposição das autoridades policiais para fornecer quaisquer esclarecimentos”.

A apuração da Polícia Federal foi desmembrada em relação a Nunes.

Um documento de 2022 obtido pela reportagem cita como motivo “o surgimento de fatos que demonstram suposto envolvimento de Ricardo Luis Reis Nunes, prefeito do município de São Paulo em exercício, bem como a empresa de sua família, em esquema criminoso de desvio de verbas públicas ocorrido na cidade de São Paulo”.

O despacho cita a transferência de valores da empresa ‘noteira’ para Nunes e para a Nikkey e o fato de Elaine Targino da Silva, que foi funcionária da empresa de Nunes, presidir a Acria.

Não existe nada contra o prefeito, diz assessoria

A assessoria de Nunes afirma em nota que a investigação da PF à qual Rosângela se refere “é de 2019, tem quase 20 mil páginas (conforme já noticiado pela imprensa), 47 pessoas físicas citadas e mais de 80 pessoas jurídicas”.

“Em todas essas milhares de páginas de investigação da Polícia Federal, não existe nenhuma acusação contra o prefeito Ricardo Nunes e a empresa Nikkey, mesmo que sob sigilo”, diz o texto.

A assessoria do prefeito afirma ainda que o repasse de R$ 31 mil citado por ela, somando os valores recebidos por Nunes e pela Nikkey, refere-se a serviço prestado pela empresa do prefeito, “respeitada no mercado há mais de duas décadas”.

“Causa perplexidade que, a dois meses da eleição, seja divulgado um vídeo da senhora Rosângela com acusações graves e absolutamente infundadas”, diz a nota.

“Rosângela —que, diferentemente do prefeito Ricardo Nunes, foi indiciada no mencionado inquérito— não tem qualquer autoridade para falar sobre a execução desses trabalhos realizados pela Nikkey.”

A assessoria acrescenta que as declarações serão analisadas pela defesa do prefeito para que ela responda por denunciação caluniosa.

Elaine Targino negou ter praticado os crimes sob apuração. “Não participei de nenhum esquema de corrupção. Lá é uma organização [Acria] séria que cuida com muito carinho e responsabilidade de pessoas, bebês e crianças”, afirmou.

Também citado, Valderci Malagosini disse que não participou dos supostos desvios.

“Absurdo, sou empresário desde 1986 e engenheiro civil desde 1995, sempre pautando pela ética e trabalho árduo. Me dedico a ajudar entidades de crianças e idosos, fazendo doações em épocas especiais como Páscoa, Dia das Crianças e Natal e não me beneficiando dessas entidades”, declarou.

A reportagem procurou a Acria por email e telefone, mas não obteve resposta de seus representantes.

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