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Lula repete Bolsonaro em farra de doações e faz entregas até vésperas das eleições

Três dias antes da eleição, no momento em que retirava de um depósito da estatal Codevasf um trator doado pela empresa pública a uma associação de agricultores, o então candidato a vereador Zelito do Povo (PT) não se identificou com seu verdadeiro nome e ainda tentou impedir o repórter da Folha de fazer fotos de um carro repleto de adesivos da campanha dele que escoltava a máquina.

Naquele momento do último dia 3, uma quinta-feira, indagado pela reportagem sobre a doação à entidade de Rio do Antônio (BA), o candidato não escondeu que a máquina que ele mesmo dirigia tinha sido obtida com recursos de emenda parlamentar do deputado federal Charles Fernandes (PSD-BA).

A cena na porta do depósito, na cidade baiana de Guanambi (a 620 km de Salvador), é um exemplo de como a Codevasf foi apropriada pelos políticos e expõe como o governo Lula (PT) repete a farra de distribuição de bens da estatal iniciada na gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Os números da empresa pública revelam que as distribuições para os redutos eleitorais de deputados federais e senadores em 2024 ultrapassaram R$ 500 milhões, em valor similar ao ocorrido no mesmo período na gestão bolsonarista.

Neste ano, da primeira eleição municipal sob grande impacto da injeção de emendas parlamentares, as doações de máquinas, equipamentos e materiais pela estatal chegaram a R$ 547 milhões até o dia 14 de setembro.

No período eleitoral de 2020, durante o governo de Bolsonaro, a transferência de bens atingiu R$ 529 milhões, o que corresponde a R$ 572 milhões, em valores corrigidos, até o fim do mesmo mês.

Criada na década de 1970 para promover projetos de irrigação no semiárido brasileiro, a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) foi transformada em uma espécie de loja de políticos.

Nela os congressistas despejam valores bilionários de emendas parlamentares e passam a operar os recursos em um sistema similar ao dos cartões pré-pagos, indicando de forma parcelada à estatal, por meio de ofícios, quando e quais bens devem ser entregues aos municípios onde estão seus aliados.

Nessa tarefa de escolha, os deputados e senadores contam até com um catálogo de produtos semelhante aos de concessionárias de máquinas ou revendedores de materiais. O modelo é alvo de questionamentos no STF (Supremo Tribunal Federal), que entrou em embate com o Congresso sobre respeito do tema.

Lula e seus aliados prometeram acabar com esse emendoduto durante as eleições de 2022 e o processo de transição governamental, mas a situação não mudou na atual gestão. A Codevasf é comandada por aliados de líderes do centrão, que foram nomeados Bolsonaro e mantidos no governo Lula.

O grosso das entregas em 2024 é de máquinas pesadas, como retroescavadeiras, tratores e veículos, como caminhões, que concentram 84% das doações, em valores absolutos. Há também muitos casos de itens mais baratos, como caixas-d’água, que foram distribuídos às centenas em meio à campanha.

A cidade mineira de Montes Claros, onde fica uma das superintendências regionais da Codevasf, é a principal beneficiada, com R$ 9,5 milhões em bens. Logo atrás, vêm Macapá (AP) e Campo Formoso (BA).

A reportagem localizou R$ 170 milhões em bens enviados para entidades privadas, como associações comunitárias, sindicatos e conselhos, entre outros.

O envio para associações ocorre, muitas vezes, quando parlamentares querem obter dividendos políticos em alguma cidade onde a prefeitura não está nas mãos de seu aliado político.

Na manhã da quinta-feira (3), três dias antes ao pleito municipal, a reportagem constatou movimentação de saída de máquinas e equipamentos no depósito da Codevasf em Guanambi (BA).

Dezenas de publicações de doações de bens da estatal no “Diário Oficial” da União, realizadas nas semanas anteriores ao pleito, indicam que as distribuições às vésperas da eleição também foram numerosas nas outras unidades da empresa pública pelo país.

As entregas próximas às eleições foram propagandeadas nas redes sociais por parlamentares, que visam beneficiar seus candidatos às prefeituras e Câmaras Municipais.

A legislação eleitoral proíbe a distribuição gratuita de bens pela administração pública no anos em que há eleições, salvo em casos de calamidade pública ou programas de governo já em andamento.

Porém a Codevasf usa uma manobra jurídica para driblar essa regra. O malabarismo busca tirar, pelo menos no papel, a gratuidade das distribuições de bens pelo governo.

Para esse fim, a documentação das doações passou a estabelecer que os beneficiados devem pagar ou fazer algo em troca, como entregar polpa de frutas a instituições sociais ou cinco quilos de carne a uma escola. Há casos em que é exigido apenas o pagamento de 1% do valor do veículo, máquina ou equipamento.

OUTRO LADO: Doações seguem a lei, diz Codevasf

Procurada pela Folha, a Codevasf afirma que não mede esforços para assegurar o emprego adequado dos bens doados e que denúncias de uso político podem ser encaminhadas para a ouvidoria da companhia. “As doações da Codevasf são realizadas com estrita observância da legislação eleitoral”, afirma, em nota.

Sobre a doações a entidades privadas, a empresa diz que elas ocorrem somente quando “há parecer técnico favorável e alinhamento entre a finalidade do bem e as atividades listadas no estatuto da instituição beneficiária” e para o desenvolvimento regional.

A empresa relata que, de janeiro a setembro de 2023, foram doados R$ 756 milhões em equipamentos, valor superior a este ano.

Em nota, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo Lula afirma que “a lei restringe a distribuição gratuita de bens por parte de ente público diretamente envolvido no processo eleitoral e diferentemente de 2022, neste ano o ente federativo ao qual a companhia é vinculada não está concorrendo nas eleições”.

“As doações da companhia servem ao interesse social e ocorrem no contexto de iniciativas de desenvolvimento regional. A transferência dos bens é formalizada por meio de Termo de Doação celebrado com a instituição beneficiária. O eventual uso de bens doados pela instituição para fins políticos por parte das entidades beneficiadas configura conduta irregular e violação dos termos que regulam a doação e pode motivar a retomada do bem, conforme previsto nos termos de doação”, segundo a nota.

A Folha voltou a procurar o candidato Zelito do Povo (PT), que foi eleito suplente de vereador no município de Rio do Antônio (BA) com 202 votos.

Ele disse que buscou o trator no depósito da Codevasf para atender a um pedido da associação de agricultores beneficiada e ocultou seu verdadeiro nome no primeiro contato porque estranhou a abordagem da reportagem na porta do depósito da Codevasf.

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