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GCMs suspeitos de participar de milícia movimentaram milhões em dinheiro extorquido de comerciantes na Cracolândia, diz MP

Três guardas-civis metropolitanos e um ex-agente da Guarda Civil Metropolitana (GCM), investigados pelo Ministério Público (MP) por suspeita de integrar uma milícia armada na Cracolândia, movimentaram mais de R$ 3 milhões em dinheiro extorquido de comerciantes da região.

É o que aponta a investigação da Operação Salus et Dignitas, realizada nesta terça-feira (6), para prender os quatro suspeitos acima. Um casal de traficantes e o funcionário de uma empresa de comunicação também são alvos de mandados de prisão decretados pela Justiça, mas por serem acusados de cometer outros crimes na Cracolândia.

Até a última atualização desta reportagem, cinco dos alvos foram presos pelas forças de segurança da operação: dois guardas-civis, dois traficantes e o funcionário da empresa. Outros dois investigados (um GCM e um ex-guarda) ainda eram procurados.

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Veja quem são os cinco detidos:

 

  • Leonardo Moja, o “Léo do Moinho”: apontado como um dos chefes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) na Favela do Moinho, na região da Cracolândia. Em 2021 ele já havia sido preso pela polícia em Praia Grande, litoral paulista, por suspeita de homicídios, mas foi solto depois.
  • Janaína da Conceição Cerqueira Xavier: suspeita de traficar drogas.
  • Antonio Carlos Amorim Oliveira: GCM suspeito de participar de esquema de extorsão de comerciantes.
  • Renata Oliva de Freitas Scorsafava: GCM suspeito de participar de esquema de extorsão de comerciantes.
  • Valdecy Messias de Souza: funcionário de uma empresa de comunicação suspeito de vender aos criminosos aparelho que dava acesso à frequência de rádio das polícias.

A Cracolândia é uma região conhecida pela venda e pelo consumo de drogas no Centro de São Paulo. Segundo o MP, os investigados cobravam propina de donos de estabelecimentos comerciais da área para obter a segurança de seus bens.

O Ministério Público apreendeu um documento intitulado “lista de colaboradores de boa fé que pagaram a segurança” que mostra quais comerciantes eram extorquidos. Além dos GCMs e do ex-guarda, policiais militares e civis participavam do esquema de proteção, segundo a Promotoria.

A Operação Salus et Dignitas é realizada em conjunto por Ministério Público (MP)Receita FederalPolícia Militar (PM)Polícia CivilPolícia Federal (PF) e Ministério do Trabalho e Emprego.

A operação pretende cumprir 117 mandados de busca e apreensão na capital paulista em endereços ligados aos investigados. A Justiça também expediu 46 mandados de sequestro e bloqueio de bens e de suspensão de atividade econômica de 44 prédios comerciais.

“Além da perda da licença, os imóveis serão lacrados pelas autoridades municipais para garantir que a atividade ilícita não volte a acontecer no local”, informa nota da Secretaria da Segurança Pública (SSP).

Como funcionava o esquema

Em um ano de investigação, promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP e policiais identificaram que a quadrilha se dividia em cinco grupos de atuação na Cracolândia:

 

  • Ferros-velhos: empresários são suspeitos de explorar mão de obra de dependentes químicos. Os usuários furtavam fios de energia da rede pública, deixando semáforos e postes sem luz, e trocavam o cobre presente neles por drogas. Nesses locais foram encontradas crianças e adolescentes participando desse comércio irregular.
  • Milícia de GCMs: GCMs, policiais militares e policiais civis são suspeitos de se articularem numa milícia para extorquir dinheiro de comerciantes em troca de proteção. De acordo com a investigação, o grupo chegou a conseguir cerca de R$ 3 milhões em propina no período de quase um ano.
  • Receptação de celulares: comerciantes libaneses são suspeitos de montar um esquema de receptação de celulares roubados e furtados e depois revender as peças. Os celulares eram levados a eles por grupos criminosos como as “gangues da bicicleta” (que usam as bikes para fugir depois de roubar e furtar telefones de pedestres).
  • Hotéis e hospedarias: rede de hotéis e hospedarias mantida pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) que servem para armazenar drogas e abrigam até “tribunais do crime” (julgamentos internos da facção criminosa feitos por seus membros). Dentro desses locais, segundo a investigação, ocorre a exploração sexual de mulheres que são obrigadas a se prostituir para comprar drogas. Há denúncias da presença de menores de idade sendo exploradas. Um dos imóveis é conhecido como “prédio do sexo”, onde ocorre a exploração da prostituição. Não é crime pessoas maiores de idade se prostituírem, mas explorar a prostituição, sim. Outros prédios já eram conhecidos da polícia por abrigarem celulares roubados e furtados. Os imóveis chegaram a ser chamados de “ninhos de celulares”.
  • Favela do Moinho: a comunidade erguida ao lado da linha da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) se tornou uma base do PCC. Dali saem as ordens para o tráfico de drogas na Cracolândia. A favela também serve como depósito de armas e drogas. Segundo a investigação, criminosos usavam um detector de radiofrequência para ouvir as conversas operacionais da PM e, desse modo, se anteciparem às operações. Para ter controle da comunidade realizavam “tribunais do crime”, nos quais membros da facção e até moradores que descumprissem regras internas poderiam ser punidos.
  • Em postagem nas redes sociais, o governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que acompanhou a ação de dentro de um dos helicópteros da PM, escreveu que o objetivo da operação é “devolver o Centro às pessoas”.

    Tarcísio não comentou sobre o envolvimento de servidores públicos que atuam como milicianos, têm relação com crime organizado e são os principais alvos da operação.

    O prefeito da cidade de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), não se manifestou na sua rede social até a última atualização desta reportagem.

    Em nota, a prefeitura informou que, “seguindo uma determinação do Prefeito Ricardo Nunes, solicitou, em junho de 2023, ao Ministério Público a prisão preventiva do guarda civil metropolitano Elisson de Assis. O pedido constou de notícia-crime protocolada ao GAECO. O processo foi arquivado pelo Ministério Público em janeiro deste ano, mas a Prefeitura continuou apurando as denúncias envolvendo o agente. O processo de expulsão de Elisson de Assis está concluído”.


    A nota também diz que “Antônio Carlos Amorim Oliveira e Renata Oliva de Freitas Scorsafava já foram afastados e o processo de expulsão está em andamento. Rubens Alexandre Bezerra foi expulso da corporação em 31/07/2019”.

    A respeito da operação, a prefeitura afirmou que “participou, com o governo do Estado e o próprio Ministério Público Estadual, de todas as discussões sobre a operação deflagrada nesta terça-feira (06) na região central da cidade. Foram quatro reuniões realizadas nos últimos dias, sendo duas delas com a presença do prefeito Ricardo Nunes, ao lado do governador Tarcísio de Freitas.

    Além disso, secretários estaduais e municipais estiveram reunidos para discutir a atuação dos órgãos participantes da operação. A Prefeitura conta com cerca de 500 agentes nas ruas hoje prestando apoio e atendimento nas áreas de segurança, assistência social e saúde, além das equipes responsáveis pela interdição de imóveis alvos da operação”.

    ‘Ecossistema’ de crimes

    Os investigadores apontaram que foi possível “qualificar a região central de São Paulo como um ecossistema de atividades econômicas ilícitas, no qual as organizações criminosas concorreriam para que o Primeiro Comando da Capital (PCC) exerça poder de influência e controle sobre a ocupação e exploração do território”.

    O objetivo da operação é desarticular esses esquemas criminosos, que, na visão dos promotores, contribuem para perpetuar o fluxo (grupo de dependentes químicos que usam crack nas ruas).

    A decisão do juiz Leonardo Valente Barreiros, da 1ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro, estabelece um habeas corpus coletivo (salvo-conduto) em favor dos dependentes químicos durante a operação. Quem portar até 20 pedras de crack ou estiver em situação de miséria não poderá ser preso em flagrante. O juiz afirma que isso visa proteger a dignidade humana.

    Viatura policial sobre passarela da Favela do Moinho, na região central de São Paulo — Foto: Anselmo Caparica/TV Globo