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Facção Povo de Israel comete extorsões e golpes de dentro dos presídios e já supera organizações do tráfico em número de presos

Uma facção que surgiu há umas duas décadas dentro dos presídios do Rio já conta com uma legião de 18 mil detentos, 42% do total de presos no Estado do Rio. Especializados em aplicar o golpe do falso sequestro, eles dizem fazer parte do grupo Povo de Israel (PVI) e já superam, em número de integrantes nas cadeias, o Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro, de acordo com relatórios de inteligência da Secretaria estadual de Administração Penitenciária.

Investigações da Polícia Civil mostram que esse grupo movimentou cerca de R$ 67 milhões — em dois anos — com golpes por telefone. As operações financeiras foram detalhadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em um inquérito da Delegacia Antissequestro (DAS), aberto após uma pessoa do Rio Grande do Sul ter sido vítima da organização criminosa. O relatório foi usado pelo Ministério Público do Rio para pedir o bloqueio de bens de 84 pessoas e cinco empresas suspeitas de lavar o dinheiro para o Povo de Israel, que usaria firmas para ocultar recursos ilícitos. Entre elas, estão uma construtora, um atacadista, uma loja de bolsas e outros acessórios, uma joalheria e até uma lotérica em Apiacá, no Espírito Santo.

Além do falso sequestro, o grupo também faz ameaças a comerciantes e moradores em áreas dominadas por outras facções. As vítimas são forçadas a transferir dinheiro para contas de terceiros, que repassam os valores conforme ordens da chefia do grupo. Segundo a polícia, o lucro dos golpes é dividido em quatro partes: 30% para o “empresário”, responsável pelo celular; 30% para o “ladrão”, executor do golpe; 30% para o “laranja”, que recebe o dinheiro; e o restante vai para o caixa comum do PVI.

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Frei Caneca — Foto: Reprodução
Frei Caneca — Foto: Reprodução

Esse grupo tem contribuído para a explosão de golpes no Rio. Nos primeiros nove meses deste ano, foram 109.887 ocorrências de estelionato no estado, o equivalente a um caso a cada 3,5 minutos, em média. O número é o maior desde 2003, início da série histórica, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP). Já o número de registros de extorsão se manteve estável entre 2023 e 2024. Nos nove primeiros meses deste ano, foram 2.367 ocorrências do crime no estado, contra 2.368 no mesmo período do ano passado.

Um relatório de inteligência da Seap afirma que a organização criminosa tem intensificado o processo de cooptação de presos, inclusive de outros estados, além de estar ampliando seus negócios. Eles começaram a investir o dinheiro das extorsões na compra e no envio de grandes remessas de drogas para vários presídios do Rio. Hoje eles tem “representantes” em 13 unidades do sistema, denominadas por eles de “aldeias”.

De acordo com a secretaria, até o fim de 2022, o tráfico feito pelo Povo de Israel era restrito a pequenas quantidades dentro do sistema. Porém, desde o ano passado, grupo firmou acordos com grandes fornecedores e deu uma dimensão maior ao tráfico. Em setembro de 2023, por exemplo, a Seap apreendeu uma carga avaliada em R$ 1,5 milhão no Presídio Nelson Hungria, no Complexo de Gericinó.

A droga estava escondida em embalagens de quentinhas. Além dos entorpecentes, foram encontrados 71 celulares, além de carregadores e fones de ouvido. Esses aparelhos são fundamentais para a aplicação dos golpes. Entre 2023 e 2024, agentes penitenciários apreenderam 5.832 celulares nas unidades sob influência do PVI, uma média de oito por dia.

No curso das investigações, a Polícia Civil também identificou transferências suspeitas para cinco policiais penais, todos com histórico de atuação nas unidades controladas pelo Povo de Israel. Juntos, eles receberam R$ 437 mil. Um dos servidores foi preso em março do ano passado ao tentar entrar com drogas no Presídio Dalton Crespo, em Campos. Já solto, ele responde a um procedimento administrativo disciplinar (PAD). Outro foi detido em agosto deste ano com drogas e celulares na Cadeia Pública Juíza Patricia Acioli, em São Gonçalo. Este segue preso.

Chefe condenado a 46 anos

Embora os presídios sejam o lugar onde esses presos cometem seus crimes, o PVI tem uma estrutura semelhante à de outras facções, com liderança central e representantes em cada unidade penal sob sua influência. No topo da hierarquia está Avelino Gonçalves Lima, conhecido como Alvinho ou Vilão. Ele foi preso pela primeira vez em 19 de julho de 1999. Em 2007, obteve decisão favorável para Visita Periódica Familiar (VPF) e não regressou, sendo recapturado dois anos depois.

Avelino Gonçalves Lima, o Alvinho, o chefe do Povo de Israel — Foto: Reprodução
Avelino Gonçalves Lima, o Alvinho, o chefe do Povo de Israel — Foto: Reprodução

Com nove anotações criminais, ele foi condenado a 46 anos e ainda responde a 13 processos disciplinares. Em junho do ano passado, foi transferido para o Sistema Penitenciário Federal, mas retornou ao Rio em agosto de 2023, indo para a Cadeia Pública José Antônio de Costa Barros, em Gericinó. Ele é acusado de ser o mandante de uma rebelião em 2018, que resultou na morte de um detento, em represália à sua transferência. A Seap suspeita que ele também esteja envolvido nas mortes de dois presos encontrados enforcados nas celas, em 2022. Relatos indicam que Alvinho ordenou os assassinatos após descobrir que os internos haviam planejado sequestrar a filha de uma liderança do Povo de Israel.

Em nota, a Seap informou que “intensificou as ações para combater as atividades ilícitas” dos integrantes da facção Povo de Israel, que são considerados de perfil neutro. Esse trabalho, acrescentou, deu origem à investigação da DAS. Sobre os policiais penais investigados, a pasta informou que dois respondem a processos administrativos disciplinares e um está preso.

A organização criminosa Povo de Israel teria surgido entre 2003 e 2004, coincidindo com a criação do “seguro” no sistema prisional do Rio. Originalmente destinado a isolar internos neutros dentro dos presídios, o PVI surgiu como uma organização que pleiteava uma unidade prisional de alocação exclusiva.

Estrela de Davi — Foto: Reprodução
Estrela de Davi — Foto: Reprodução

De acordo com relatório da própria SEAP, o grupo deflagrou uma rebelião no Presídio Ary Franco, em 2004, quando a solicitação não foi atendida. Na época, oito presos morreram. Posteriormente, o grupo teria se formado como uma maior estruturação no Presídio Hélio Gomes, após a transferência dos “neutros” para a unidade.

O nome “Povo de Israel” tem ao menos três versões de origem. A mais conhecida sugere que, durante a rebelião de 2004, um dos fundadores jogou uma Bíblia para cima, que abriu no Livro do Êxodo, em uma passagem sobre a peregrinação em busca da terra prometida. Outras versões associam o nome à atuação “intramuros”, interpretada como exílio, em contraste com facções e milícias que controlam territórios urbanos.

Desde sua criação, o PVI atrai detentos rejeitados por outras facções, como o Comando Vermelho (CV), Terceiro Comando Puro (TCP) e Amigos dos Amigos (ADA), por praticarem crimes como estupro e estelionato. Não a toa, o estatuto da organização criminosa proíbe chamar alguém de “estuprador”. Segundo texto do próprio grupo, o termo correto é “amigo do artigo”. Outra regra estabelecida pelo PVI é não invejar o “esquema” dos outros membros: “Não cobiçar a etapa do amigo, pois cada um tem a sua”.

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