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Decisão em falência vislumbra Estado Brasileiro da Fraternidade

A juíza Clarissa Somesom Tauk, do Tribunal de Justiça de São Paulo, suspendeu leilão de imóvel habitado há 32 anos por uma família em situação de pobreza, ao proferir uma decisão fundamentada no capitalismo humanista.

Juíza da 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Cível Central da Capital, Tauk determinou o cancelamento definitivo da indisponibilidade do imóvel. Ela confirmou tutela de urgência previamente concedida pelo próprio juízo. Cabe recurso da decisão.

O cortiço seria levado a leilão a pedido do síndico da massa falida proprietária que negligenciou sua função. A magistrada entendeu que ele ignorou, por décadas, o “único abrigo de uma família de oito pessoas, incluindo idosos e criança PCD, que poderiam ser desalojadas”. Registrou que a família pagou pelo bem.

Tauk julgou a atuação do síndico “nitidamente irresponsável para com o concurso de credores e com a Justiça brasileira”.

A juíza também salientou que a família se encontra em situação de extrema vulnerabilidade, incluindo idosos e crianças com deficiência, e embasou seu voto sob uma perspectiva humanista. “Não se trata de mera análise de controvérsia documental sobre a propriedade do imóvel, mas exige-se uma consideração mais profunda acerca da propriedade e sua função social no Brasil, de acordo com a moderna constituição Federal”, registrou.

Ela considerou bastante pequeno o impacto da arrecadação do bem imóvel para a falência. A perícia definiu seu valor em R$ 219 mil, sendo que R$ 71 mil provêm da construção realizada pelos autores. O saldo atualizado da falência é de R$ 1,284 milhão.

Capitalismo humanista

Tauk analisou o caso à luz da função social da propriedade. Ela cita obra que escreveu em coautoria com o ministro Paulo Dias de Moura Ribeiro, do Superior Tribunal de Justiça, para expor a visão que, no seu entender, deve permear a atuação do Poder Judiciário: o capitalismo humanista propõe “um novo enfrentamento do capitalismo, enquanto regime econômico, de modo a assegurar a concretização dos Direitos Humanos, relativizando o direito à propriedade e à livre iniciativa”.

“Não se quer subverter a ordem implementada pelo sistema de insolvência, mas sim adequá-la a parâmetros fraternos e que resguardem os menos favorecidos, que acabam por ser os mais vulneráveis”, afirmou na decisão.

Tauk cita o advogado Ricardo Hasson Sayeg, defensor do capitalismo humanista. Ele está alinhado entre os pensadores que veem na Constituição a consagração da fraternidade como princípio-valor-categoria jurídica. “Assim, é possível encontrar o chamado Estado Brasileiro da Fraternidade, cujo encargo é garantir a todos um mínimo vital, pautado numa perspectiva multidimensional de direitos humanos de primeira, segunda e terceira dimensões”, registra.

Ricardo Sayeg e Wagner Balera são autores de obras sobre o Sistema Brasileiro de Insolvência e a filosofia humanista de direito econômico.

Função social da propriedade

Na decisão, Tauk faz referência aos advogados Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber para afirmar que, no texto constitucional brasileiro, há tão-somente garantia a propriedade que cumpre a sua função social.

Menciona o ministro aposentado do STF Eros Grau, para quem a propriedade que não cumpre sua função social deixa de ser propriedade.

Cita o jurista Fábio Konder Comparato, que considerou contrassenso estender a qualificação da propriedade como direito fundamental ao domínio de um latifúndio improdutivo, ou de uma gleba urbana não utilizada ou subutilizada, em cidades com sérios problemas de moradia popular.

O síndico argumentou nos autos que não havia legitimidade processual, pois, apesar da alegação do embargante de que comprou o imóvel de terceiros, a documentação apresentada nada comprova sobre o alegado direito.

Tauk determinou a minoração dos honorários sindicais, “dada a má atuação em relação a bem imóvel da falida.” Condenou a massa ao pagamento de honorários sucumbenciais no valor de 10% sobre o valor da causa.


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