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Concessionária da Marina da Glória constrói prédio alterando paisagem tombada e vai deixar de pagar R$ 2 milhões por ano de IPTU

A grande construção fica junto à Marina da Glória e ocupa parte do Parque do Flamengo

Depois de ser multada em 19,4 milhões por ocupação e obras irregulares na Marina da Glória, a concessionária BR Marinas – comumente acusada de privatizar o património público – volta a se envolver em polêmica. Quem passa pelo Aterro do Flamengo, e entra em direção à Marina, observa uma grande área coberta por tapumes verdes, onde uma grande construção revestida de pastilhas pretas, metal tubular e de feições arredondadas parece estar terminando de ser erguida, cercada de vidraças, junto a outra construção nova em concreto armado. Tudo isso em plena Paisagem Carioca, entre a montanha e o mar, Patrimônio Mundial reconhecido pela UNESCO há 10 anos. Os tapumes não trazem qualquer informação sobre a obra sendo executada (fotos abaixo), exceto o nome da empresa contratada pela concessionária para executar a obra ou parte dela.

Tudo indica que seja uma construção que teria sido aprovada em 2015, mas que na época não foram cumpridas todas as exigências. Por conta disso, então foi firmado um acordo entre o Iphan e a BR Marinas, que também não foi cumprido e previa uma multa de 575 mil reais pelo descumprimento. Segundo especialistas em patrimônio histórico consultados pelo DIÁRIO, estes acordos tem prazo de vigência que não supera 2 anos, ou seja, o normal é que tenha caducado. Segundo a Associação de Moradores do Bairro da Glória, que fez um grande estardalhaço em suas redes sociais divulgando a obra, a tal construção em metal tubular no Parque do Flamengo se destinaria a uma concessionária da marca de motos Harley Davidson, algo sem relação com a atividade-fim ali exercida. Ainda segundo a associação, a prefeitura teria informado que a obra estaria sendo feita com base “numa autorização antiga do iphan“. O mesmo órgão que, anos atrás, proibiu a colocação de uma estátua em homenagem a um escoteiro no parque, por ele ser tombado.

Se no passado o SPU, que é o órgão responsável por administrar o patrimônio imobiliário do país, afirmou que foi ilegal a “construção e ocupação em terras e espelho d’água, áreas de uso comum do povo pertencentes à União, sem autorização do patrimônio da União” disse que o espaço da Marina deve ser público e deveria atender à população, e, disse que a obra foi feita “desvirtuando a ideia de Marina pública, com livre circulação”, agora o Iphan e o IRPH parecem ter gostado da idéia de autorizar a construção do que, segundo operários presentes no local, será mesmo uma loja de motocicletas em plena paisagem mundialmente tombada. Segundo o Iphan, haveria apenas três “pendências” para o cumprimento de um “Termo de Compromisso” que teria sido assinado: a execução de um telhado verde, inclusive “beiral de eventos”, a execução da área de “brokers” (brokers, em tradução livre, são agentes ou corretores), e a execução de um revestimento metálico.

E parece que gostaram tanto que nenhum dos dois órgãos parece ter oferecido óbice à realização da obra – que vem causando estranheza à Associação de Moradores da Glória – inclusive recomendando que seja concedida isenção de IPTU à BR Marinas, que hoje paga mais de dois milhões de reais por ano de imposto predial urbano, em sua incrição 2.995.938-4, conforme documento público a que o DIÁRIO teve acesso. O curioso é que o tombamento do Parque do Flamengo não tem qualquer relação lógica com as edificações recém feitas pela BR Marinas. E mais interessante é que os demais proprietários de imóveis tombados só podem ter este tipo de benefício quando mantém íntegra a forma original dos bens tombados sob sua responsabilidade. Assina o requerimento de isenção de IPTU pela BR Marinas sua gerente jurídica Cristina Caiado, e a 4 de setembro de 2023 o Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro informa estar “de acordo” com “o parecer da Coordenadoria de Conservação do Patrimônio Cultural (…) com vistas à emissão de laudo de Aptidão que visa a obtenção do benefício de isenção do IPTU”.

Esta não é a primeira vez que a região do aterro sofre intervenções que ferem a paisagem da região, com leniência das autoridades. Há alguns meses foi erguida uma locadora de automóveis bem na frente da paisagem da Baía de Guanabara, próximo ao Hotel Prodigy. A construção, toda gradeada, se tornou anteparo à visão que tornou a região um Patrimônio da UNESCO, embora pelo menos sua utilização tenha sentido junto ao Aeroporto Santos Dumont; mais sentido que vender motocicletas numa marina, com certeza.

O DIÁRIO DO RIO procurou o IRPH, o Iphan e a BR Marinas, que não se manifestaram até a publicação desta reportagem (apesar de o Iphan ter informado que irá “apurar” o caso, ontem), que segue aberta para atualizações. E a multa de 575 mil, será que foi paga?


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