Turismo

Com peso desvalorizado, Bariloche reconquista turistas brasileiros

A Argentina enfrenta uma das piores turbulências econômicas de sua história. Nesta semana, a arrancada do deputado ultraliberal Javier Milei nas primárias das eleições fez o dólar disparar (em sua modalidade paralela, ele beira os 700 pesos) e os títulos da dívida argentina despencarem.

Mas não se falava em crise na tarde fria de uma quarta-feira de julho em que dezenas de turistas disputavam um lugar para suas pás de esqui ao pés de uma montanha nevada do Cerro Catedral, a maior estação de prática do esporte na América do Sul, em Bariloche.

Ali, crianças de três a quatro anos de famílias endinheiradas fazem suas primeiras aulas de esportes no gelo, acompanhados de instrutores uniformizados. Quando se cansam, são enfileirados sentados na neve fofa, empacotados em suas roupas de frio. Alguns comem chocolates ou levam bolinhas de neve à boca, despreocupados.

Ao redor, a maioria é adulta, e ouve-se bastante espanhol, algum inglês e muito português. Brasileiros desengonçados, mas animados, tiram fotos enquanto aprendem esqui ou snowboard.

“Agora, vamos fazer como se fosse o formato de uma fatia de pizza com os pés, veem? Assim conseguimos frear”, explica o instrutor Sebastian Pocho. Ele gesticula com generosidade e usa com os brasileiros as mesmas analogias sobre formatos de comidas e posições de pés que funcionam com os esquiadores mirins que, sentados próximo dali, seguem provando a neve pisada do chão. A técnica funciona, e nenhum dos brasileiros do grupo cai de bunda na neve gelada.

A melhor maneira de evitar cair, entretanto, é já estar no chão. E isso bem sabem os brasileiros que lotam o complexo de Piedras Blancas, onde o esquibunda (20 mil pesos por seis descidas) é a atração principal. Há cinco pistas com níveis diferentes de dificuldade. Crianças falantes de espanhol berram em coro rumo à número dois, a mais inclinada delas.

Grupos de adolescentes brasileiros em viagem de formatura do ensino médio perambulam em grandes grupos pelo local, identificados pelos casacos impermeáveis de agências de viagens. Hospedam-se em ski hotels no centro da cidade, de onde saem à noite em ônibus cheios de meninos alvoroçados e meninas de minissaia, imunes ao frio, rumos às baladinhas da região.

O charme decadente da capital do inverno hermano parece torná-la também um destino queridinho de políticos brasileiros. Também em um domingo de julho, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, podia ser visto jantando com a esposa e netos no Taberna Gallega Breogan, casa especializada em frutos do mar com um modesto salão e talheres gastos. Acompanhou sozinho, pelo celular, a votação da Reforma Tributária no Congresso em uma mesa no La Parrila de Julian, tradicional churrascaria da região.

No mesmo período, o ex-ministro de Lula Ciro Gomes hospedava-se com a esposa e filho no quatro estrelas Hotel Panamericano (diárias para casal a partir de R$ 1.233 na alta temporada). O restante de sua família (num total de 15 pessoas, entre adultos e crianças) ficou no luxuoso Alma del Lago (diárias por R$ 1.748, em média).

A presença de Ciro causou burburinho entre os brasileiros hospedados no Panamericano —a anedota favorita no café da manhã era a de que o pedetista estaria hospedado na suíte “presidenciável”.

A cerca de uma hora de Bariloche, a charmosa Villa La Angostura abriga também a mansão de férias do ex-presidente argentino Maurício Macri, em condomínio no bairro Cumélen. A região é ainda destino de férias da rainha Máxima da Holanda, filha de Jorge Zorreguieta, ex-ministro da ditadura militar argentina.

Para além dos influentes e famosos, a neve abundante nas montanhas e o centrinho agradável de Bariloche têm voltado a atrair brasileiros ao destino após a pandemia. A CVC, que oferece voos fretados da Latam direto entre Guarulhos e a cidade nos meses de julho e agosto, projeta um aumento de 25% no número de passageiros na alta temporada (entre junho e setembro), em comparação a 2022.

Os números já se assemelham aos patamares de 2019, afirma a agência, e a maioria dos contratantes de seus pacotes é formada por homens (54%) de mais de 40 anos e que viajam em grupos de 2 a 3 pessoas.

Com o peso argentino desvalorizado em relação ao real, famílias brasileiras acostumadas ao custo de vida em grandes cidades como São Paulo podem considerar atraente o custo-benefício de passeios tradicionais na região, como as entradas nos locais de práticas de neve (entre R$ 80 a R$ 200 por pessoa, em média, para passar o dia, a depender do câmbio), e as generosas porções de comida em bons restaurantes (de R$ 30 a R$ 120 por prato principal).

Os valores são atraentes para brasileiros, mas o custo de vida e a dependência do turismo preocupa a cidade turística de 150 mil habitantes. Após a chuva de cinzas que paralisou o turismo na cidade em 2011 e os lockdowns rígidos na pandemia, que incluíram rodízio de moradores que podiam sair de casa em dias da semana específicos, a região tenta também diversificar atividades —por meio, por exemplo, das pesquisas do Centro Atômico de Bariloche, referência na área na América Latina.

A cidade enfrenta, no entanto, o desafio de reter cérebros, muitos dos quais deixam o país em crise por oportunidades na Europa.

Pequenos banners de candidatos que concorrerão na disputa presidencial em outubro são vistos pelas ruas da cidade, mas os argentinos parecem cansados e receosos de discutir o tema, mesmo nesta que é uma região habituada a receber figuras políticas de férias com suas famílias. A polarização política argentina que desgasta o debate e acirra ânimos ganhou até apelido: ‘la grieta’.

Moradores como Joel Ezequiel Osório, 30, preferem não arriscar um palpite sobre o pleito que se aproxima. “Não me meto na questão política. Não gosto”, diz o argentino nascido e criado em Bariloche – ou nyc (nacido y criado), conforme a denominação popular local, em oposição aos llyq (llegado y quedado – em referência aos argentinos de outras partes do país que se mudaram para a cidade).

“Minha família está em pleno crescimento, e acabamos de abrir nosso próprio negócio de transporte de turistas e de cargas”, conta. “A inflação nos machuca muito, mas meus pais e avós também passaram por momentos difíceis e por fases melhores, e piores, que a atual.”

Reflexo da desigualdade no país, sua filha de oito anos, nascida e criada em Bariloche, não está entre os afortunados que começaram bem pequenos a esquiar nas muitas montanhas nevadas da cidade. Deve iniciar o aprendizado da atividade nos próximos meses, diz Osório. Usará a mesma técnica que o pai diz se valer para lidar com as turbulências econômicas do país em crise: “Um dia de cada vez. Passito a passito”.

DICAS DE ONDE COMER E SE HOSPEDAR EM BARILOCHE

Taberna Gallega Breogan

San Martín 405, R8400. Mais informações no perfil

La Parrilla de Julian

San Martín, 590. Mais informações no perfil

Hotel Panamericano

San Martín, 536 70. Mais informações no site

Hotel Alma del Lago

av. Bustillo Km 1.151. Mais informações no site

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