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Chico Alencar: Novas chacinas, velha política 

Operação da Polícia Militar no Rio de Janeiro
Operação da Polícia Militar no Rio de Janeiro (Foto: José Lucena)

O protocolo não está escrito, mas funciona com rigor cruel. Toda vez que um agente das forças de segurança morre em ação nos guetos onde a pobreza é amontoada, pode estar certo, o chumbo quente da vingança virá em dose redobrada. Morreu um, vão matar, no mínimo, dez.

É o que acontece agora na baixada santista, sob o patrocínio do bolsonarista que governa São Paulo. A linha da truculência policial sempre foi uma escolha política. As chacinas não são fatos isolados que se repetem por acaso. Elas cumprem uma função central na reprodução da ordem injusta.

Aqui no Rio, o histórico é enorme. O atual governador Claudio Castro, por exemplo, carrega a triste marca de, em seu governo, terem sido realizadas as duas maiores chacinas em ações policiais: a da favela do Jacarezinho, em maio de 2021, com 28 óbitos, a mais letal do Rio de Janeiro, e a da Vila Cruzeiro em maio de 2022, com 23 mortos.

Casa grande e Senzala. Sobrados e Mocambos. Faria Lima e Favelas. Segregar a pobreza e reproduzir a desigualdade abissal são tarefas que demandam a brutalidade policial. Como nos “bantustões” do apartheid na África do Sul, a guerra aos pobres cumpre função política no sistema da dominação de classe.

O gueto que amontoa os pretos (e os quase pretos de tão pobres) é o calabouço do racismo estrutural. É onde mora também o “cala boca” das políticas focadas. Tratada como estrangeira em sua própria Pátria, a pobreza é o “inimigo interno” do autoritarismo militar da Garantia da Lei e da Ordem.

Esse conjunto de brutalidades nada tem a ver com segurança pública. O combate ao crime organizado não se faz pelo banho de sangue das chacinas. “Drogas e armas não nascem nas favelas”, falou com dolorosa lucidez Rene Silva, jovem fundador da “Voz da Comunidade” no complexo do Alemão.

O mesmo foi apontado, em 1999, pelo relatório da CPI do Narcotráfico. Ao constatar a lavagem anual de 50 bilhões de dólares pelos criminosos, enfatizou: “sem o olhar complacente de instituições financeiras e de governos não seria possível lavar tanto dinheiro sujo”. Os “barões da droga” nunca se abalaram com chacinas.

Qualquer polícia inteligente de governo sério começaria por aí o combate eficaz ao crime organizado. Abusos, torturas, matanças e execuções sumárias na ponta do varejo nunca garantiram segurança pública. Pelo contrário, só fizeram acelerar o eterno retorno do mesmo: novas chacinas, velha política.

*Chico Alencar é escritor, professor de História e deputado federal eleito pelo PSOL-RJ


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