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Boulos é bom para democracia, mas soa distante da periferia, dizem eleitores

Eleger Guilherme Boulos (PSOL) fará bem à democracia, mas, neste pleito, ele soa empolado demais para as classes mais baixas, daí ir pior do que poderia nesse eleitorado. São impressões que partem de sete eleitores do deputado federal que tenta pela segunda vez ser prefeito de São Paulo —em 2020, ele perdeu no segundo turno para Brunos Covas (PSDB), que morreu e legou sua vaga para Ricardo Nunes (MDB).

“O Boulos de gravata conversa pouco com a periferia. A linguagem é excessivamente elaborada, isso desconecta ele dessa base”, afirma Filipe Scarcella, 36, pastor de uma igreja progressista.

O professor de artes Gabriel Viriatto, 26, concorda. “É uma fala difícil, acadêmica. A maioria das pessoas não têm acesso a esse tipo de comunicação. Elas têm muitas outras preocupações no dia a dia, se vai ter alimentação, casa, transporte.”

“Se ele estivesse de camiseta e com o celtinha [carro trocado por um blindado durante a campanha], conversaria mais”, complementa Lizzie Lima, 43, analista administrativa demitida na pandemia e que hoje faz bicos e presta concursos públicos.

Para Danilo Queiroz, 20, que estuda na USP, o psolista “acaba falhando quando insiste em certos memes“, como os que exploram o trocadilho do seu nome com bolos. “Pelo amor de Deus, é muito ultrapassado.”

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O fato de ter crescido em áreas nobres da zona oeste paulistana e depois ido morar no Campo Limpo (zona sul) não seria ônus nem bônus imediato. Importa mais como ele é visto agora. “O Boulos da campanha parece mais com o Boulos de Pinheiros do que com o do Campo Limpo.”

Liderança em Paraisópolis (zona sul), Maria Betânia Mendonça, 66, lembra do deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP), bisneto do conde Francesco Matarazzo. “Sempre foi da alta classe e ia para a periferia desarmado, chegava a qualquer hora, dirigindo [o próprio carro].”

Mídia

Nenhum rejeita o jornalismo profissional como fonte de informação, mas alguns acham que o adversário Pablo Marçal (PRTB) acaba favorecido pela superexposição na mídia. “Tipo, a minha tia que nem assiste televisão, em Jaboatão [dos Guararapes, PE], sabe quem é o Marçal hoje”, conta Danilo.

A cadeirada que ele levou de José Luiz Datena (PSDB) num debate de TV, que depois varou as redes sociais, virou tema até no círculo de oração da tia. “A mídia contribui bastante à medida que favorece esse jornalismo declaratório. O discurso acalorado que provoca o beneficia.”

Filipe questiona se é legítimo dar espaço para candidatos assim. “Em nome desse pluralismo de que se ouve todo mundo, Hitler deveria ter sido chamado para o debate se fosse candidato?”

Vaivéns

O vaivém de posições em temas como Venezuela e drogas, explorado por Tabata Amaral (PSB) contra Boulos, divide o grupo. “Eu me decepciono quando ele fala uma coisa e se contradiz depois, mas, do ponto de vista estratégico, acho necessário, até para que ele consiga aumentar o espectro do eleitorado.”

Filipe se dá como exemplo: seria um eleitor da Tabata não fosse o risco de Boulos morrer na pista eleitoral, e o segundo turno ficar entre dois nomes de direita: Nunes e Marçal. Quando o psolista passa a cravar que a Venezuela é uma ditadura, o que não fazia antes, “isso chega para mim de forma positiva”.

Guga Brown, 43, gestor em Paraisópolis, sobre Boulos ter desdito que é a favor de descriminalizar drogas: “‘Nóis’ fala tanto de droga, né? Maconha, farinha, esses aí que são jogados para nós na periferia. Mas a maior droga, que é a bebida, ninguém discute”, afirma. “E quem toma [as cachaças] Pitu, 51? E quem toma em Pinheiros?”

O consultor imobiliário Fernando Campos, 38, questiona como ter certeza se o deputado vai manter o que diz se é um ioiô de opiniões. “O Boulos precisa se posicionar sobre temas difíceis, não fugir deles”, diz Filipe, que até entende que o psolista precisa passar uma imagem “mais light” se quiser atingir mais eleitores. “Mas enxergo como um problema não dizer de fato o que pensa.”

‘Invasor’

Guga acha graça quando amigos abraçam a pecha de invasor, que oponentes tentam grudar no candidato do PSOL pelos anos no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). “Os colegas me dizem que Boulos é invasor. Respondo: você mora onde? Paraisópolis. Você ocupou o terreno aqui e não pagava, entendeu?”

O que pegou mais contra ele, dizem, foi a fake news sobre usar cocaína, disseminada por Marçal. Até na igreja isso circulou, diz Danilo.

Prioridades

Fernando cita a “saúde emocional dos professores” como algo que exige atenção. Maria Betânia vai por trilha similar. A criança sem creche em período integral “fica jogada” depois que o turno acaba, diz. “E isso independente da classe social, porque a gente tem uma classe média sofrendo porque tem que pagar uma empregada para ficar com essa criança.”

Também a enerva ouvir gente falando “aí, eu não gosto do Paulo Freire”.O autor de “Pedagogia do Oprimido” é desprezado pela direita bolsonarista, e Marçal disse, na Bienal do Livro, que o criticaria sempre que pudesse. “Pelo amor de Deus, isso é um absurdo. E a gente escuta porque não é surda.”

Para Guga, é a questão da habitação que decidiu seu voto no ex-líder do MTST. “Sem moradia, não tem educação, não tem cultura, não tem nada. A sua moradia é dignidade. Quem quer viver com rato e barata?”

Fernando adiciona o problema da cracolândia. “Aquilo ali tá um horror”, concorda Lizzie, que pontua também “a revitalização do centro”.

Filipe, que já teve o celular roubado com uma arma na barriga, diz que a esquerda precisa readequar seu discurso sobre segurança pública, sem tratá-lo apenas como fruto de desigualdade social ou saúde pública, como faz na cracolândia.

“Toda solução apresentada é a longuíssimo prazo. Isso descola as pessoas desse discurso. Elas vão buscar soluções imediatas porque está doendo agora.”

O pastor elege a democracia como maior razão para escolher Boulos. “É muito ruim deixar São Paulo na mão do bolsonarismo.”

Sobretudo um triunfo de Marçal o apavora. Diz que votaria “num vira-lata caramelo contra ele, porque ele é absolutamente antagônico a qualquer coisa que eu enxergue em Jesus”.

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