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As raízes coloniais da Polícia Militar do Brasil

Foram alguns anos trabalhando como pesquisador em segurança pública e professor da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, na disciplina Sociologia Criminal e Jurídica. Confesso que foi a experiência mais fantástica como professor. Dali construí um entendimento de dentro sobre a estrutura, mesmo não sendo policial. Ministrei aulas para muitos homens e mulheres apaixonados, que passavam no concurso desejando contribuir com o melhor, na esperança de subverter o entendimento negativo que há em parte da sociedade para a instituição. Meses depois, recrutas que eu reencontrava na rua ou na próxima formação, eu via o brilho no olhar diminuindo ou o primeiro discurso apaixonado sendo modificado radicalmente.

No Brasil, temos a polícia que mais mata e mais morre. Perdi pela violência muitos alunos e amigos – dentro e fora da polícia – por um sistema perverso de segurança pública. Na sua regra, preto matando preto, pobre matando pobre.

Segundo a investigação do 30° Distrito Policial (DP) do Tatuapé, o empresário Fernando Sastre de Andrade Filho (foto em destaque), que conduzia um Porsche, avaliado em mais de R$ 1 milhão, matou o motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana após bater no carro dele, no dia 31 de março. A Polícia Militar (PM), que atendeu a ocorrência, informou que liberou Fernando do local do acidente após a mãe dele, Daniela Cristina de Medeiros Andrade, dizer aos policiais que levaria o filho para o Hospital, porque ele estaria com um ferimento na boca. Fernando com uma ferida na boca e, do outro lado, o Ornaldo morto por ele.

No Rio, em 2015, Wilton Esteves Domingos Júnior, 20 anos; Carlos Eduardo Silva de Souza, 16; Wesley Castro Rodrigues, 25; Roberto Silva de Souza, 16; e Cleiton Corrêa de Souza, 18, foram mortos com 111 tiros por policiais militares. Os cinco amigos voltavam de um passeio no Parque Madureira. Eles tinham ido a uma lanchonete comemorar o primeiro emprego de Roberto, que havia conseguido uma vaga como auxiliar de supermercado.

Não tem como entender o presente sem olharmos para o passado, como traduzem as filosofias africanas. No Brasil, a Polícia Militar tem suas raízes na época colonial, quando foi inicialmente criada para proteger os interesses da coroa portuguesa e da elite dominante. A PMERJ, em particular, foi oficialmente instituída em 1809 (a suposta abolição foi estabelecida em 1888), por meio de um decreto do então príncipe regente Dom João VI. Na época, o Rio de Janeiro era a capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e a criação da Polícia Militar tinha o objetivo principal de manter a ordem e a segurança da cidade, que era a sede do governo colonial. Durante o período colonial e imperial, a principal função das forças policiais era manter a ordem e garantir a estabilidade política e econômica, em benefício das classes abastadas, incluindo os ricos proprietários de terras. Isso significava que, em muitos casos, a atuação da Polícia Militar não estava voltada para a proteção dos mais pobres, mas sim para a preservação do status quo e dos interesses da elite. Ao longo da história do Brasil, a Polícia Militar esteve envolvida em diversas situações controversas, incluindo repressão a movimentos sociais e protestos populares.

Se observarmos o significado de cada um dos elementos que compõem a bandeira da PMERJ, e o que eles representam, percebemos a concretude do texto. As duas plantas que estão presentes: um pé de cana-de-açúcar e um pé de café. Todos representam a classe dominante brasileira do período em que a Polícia Militar foi convencionada. As duas armas de fogo são a proteção. A bandeira ainda é assim, e a lógica também.

Os filhos dos policiais militares, normalmente, estão matriculados em escolas públicas. Quantas vezes a Polícia Militar foi utilizada para reprimir professores que estavam se manifestando por melhoria salarial e condições dignas de trabalho? Ressalto que também em busca de uma educação de excelência para os filhos dos policiais. Servir e proteger a quem?

Aqui escrevo sobre uma instituição que recorta a vida de pessoas – sendo policiais ou não. Óbvio que existem profissionais que ainda têm o brilho no olhar desejando modificar tal cenário, alguns dedicados e que trabalham diariamente para proteger todos os cidadãos, independentemente de sua condição social. Mas é urgente a discussão sobre o papel da Polícia Militar e a necessidade de reformas no sistema policial, buscando uma atuação mais justa, igualitária e voltada para o bem-estar de TODA a sociedade. Porque, senão, continuaremos coloniais.

Sobre a juíza que liberou o condutor do Porsche e manteve preso um ladrão de desodorante, segue o mesmo molde. A Justiça foi criada para defender quem?

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