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A dura realidade da mortalidade: reflexões inspiradas em Mortais de Atul Gawande


Há poucos dias, recebi a dica de uma competente colega, a quem agradeço, sobre um livro profundamente impactante. Trata-se de Mortais: nós, a medicina e o que realmente importa no final, de Atul Gawande. Publicado em 2015 pela Editora Objetiva, essa obra desafiadora e sensível aborda a fragilidade da vida e a maneira como a medicina moderna lida com o envelhecimento e a morte. Ao longo de suas páginas, o autor, um renomado cirurgião e jornalista americano, nos convida a refletir sobre o que realmente importa na fase final de nossas vidas.

Atul Gawande nasceu no Brooklyn, Nova Iorque, em 1965, e é um profissional altamente respeitado no campo da medicina. Além de suas funções como cirurgião no Brigham and Women’s Hospital em Boston, ele é professor associado na Harvard School of Public Health e na Harvard Medical School. Com diversas publicações na revista The New Yorker e autor de outros livros notáveis, como Complications e The Checklist Manifesto, Gawande se dedica à redução de erros cirúrgicos e à melhoria dos processos de saúde pública.

Em Mortais, Gawande aborda um tema frequentemente evitado: a inevitabilidade da morte e como a sociedade, especialmente os profissionais de saúde, tende a encará-la. Ele nos faz pensar se a medicina, com seu foco em prolongar a vida a qualquer custo, realmente está oferecendo a melhor solução para pacientes em fase terminal ou com condições incuráveis.

No início do livro, Gawande compartilha suas próprias experiências, tanto profissionais quanto pessoais, ao lidar com pacientes em seus momentos finais. Ele relata como, na faculdade de medicina, o foco era em salvar vidas, mas não em lidar com a mortalidade. O autor também discute a frustração que surge quando, em vez de proporcionar conforto e dignidade, a medicina moderna recorre a tratamentos agressivos que muitas vezes trazem mais sofrimento do que alívio.

Em uma análise dos capítulos do livro, Gawande mergulha em temas essenciais, como a independência e a fragilidade. Ele nos lembra que a medicina, ao tentar manter a autonomia do paciente a todo custo, muitas vezes ignora o fato de que, com o envelhecimento, a fragilidade inevitavelmente toma conta, e a verdadeira questão é como preservar a dignidade durante esse processo.

Ele também examina o cuidado paliativo e a necessidade de conversas difíceis, mas honestas, entre médicos, pacientes e familiares. Essas conversas, argumenta ele, são essenciais para garantir que as escolhas do paciente sejam respeitadas, mesmo quando a vida chega a um fim natural. Gawande ressalta que os cuidados paliativos, que focam no conforto e na qualidade de vida, são frequentemente ignorados em favor de tratamentos que podem ser ineficazes ou até prejudiciais.

Um dos pontos mais impactantes da obra é a reflexão sobre a autonomia dos pacientes. Em muitos casos, os pacientes são submetidos a procedimentos médicos sem estarem plenamente conscientes de suas opções ou das consequências que esses tratamentos podem ter em sua qualidade de vida. O autor coloca em evidência a necessidade de permitir que as pessoas tomem decisões informadas e sejam ouvidas quanto aos seus desejos, especialmente quando enfrentam doenças graves.

Além disso, Gawande explora modelos de assistência alternativos, como lares de idosos que buscam oferecer mais liberdade e dignidade aos seus residentes. Ele nos mostra como uma abordagem mais humana pode fazer toda a diferença para aqueles que estão no fim de suas vidas, promovendo um ambiente de respeito às suas escolhas.

O livro sob comento aborda questões relacionadas ao envelhecimento, à fragilidade humana e à morte, enfatizando como a medicina moderna lida com essas inevitabilidades. Segue abaixo um resumo de cada capítulo conforme indicado no sumário:

O ser independente: Gawande reflete sobre como o conceito de independência molda a maneira como as pessoas enfrentam a velhice e as limitações físicas. Ele relata a história de sua avó e como a sociedade ocidental valoriza a independência pessoal, diferentemente de culturas tradicionais, como a de sua família na Índia, que oferece um apoio multigeracional aos idosos.

Caindo aos pedaços: O autor discute como a medicina mudou a forma de envelhecer, prolongando a vida, mas também introduzindo novos desafios. Gawande descreve o declínio físico e como as doenças crônicas alteram a maneira como as pessoas envelhecem, refletindo sobre a degradação progressiva do corpo humano.

Dependência: Este capítulo aborda o aumento da dependência física e emocional à medida que as pessoas envelhecem e enfrentam doenças debilitantes. Gawande reflete sobre os sistemas de suporte disponíveis, como lares de idosos e assistências domiciliares, além das dificuldades que essas soluções trazem tanto para os pacientes quanto para suas famílias.

Assistência: Focado em asilos e casas de repouso, Gawande explora o sistema de cuidados em longo prazo, criticando a falta de autonomia oferecida aos idosos nessas instituições e propondo a necessidade de modelos que priorizem a dignidade e a qualidade de vida.

Uma vida melhor: Neste capítulo, o autor investiga abordagens alternativas aos cuidados tradicionais, como asilos que adotam práticas mais centradas no indivíduo, e a filosofia do cuidado paliativo. Ele destaca a importância de um tratamento que promova uma vida significativa até o final.

Desapegar-se: Gawande trata do desafio de aceitar a morte e como médicos e pacientes frequentemente lutam contra essa realidade. Ele descreve o impacto emocional e psicológico da mortalidade e a importância de abrir mão de tratamentos fúteis quando o fim se aproxima.

Conversas difíceis: Gawande discute a importância das conversas difíceis entre médicos, pacientes e familiares sobre o fim da vida. Ele reflete sobre sua própria experiência como médico e a dificuldade de ser honesto sobre as limitações dos tratamentos.

Coragem: O autor explora o conceito de coragem, não apenas para enfrentar a morte, mas para viver a vida de forma plena até o final. Ele conclui que a coragem envolve tanto os pacientes quanto os médicos em reconhecer a finitude da vida e tomar decisões difíceis com sabedoria.

Epílogo: Gawande compartilha reflexões finais sobre a importância de redirecionar o foco da medicina para priorizar a qualidade de vida, em vez de tentar prolongá-la a todo custo. Ele ressalta que a verdadeira realização está em viver uma vida significativa até o final.

Mortais é uma obra que desafia tanto médicos quanto leigos a reconsiderarem suas suposições sobre a morte e o envelhecimento. O autor argumenta que a verdadeira compaixão está em entender que a vida, inevitavelmente, chega ao fim, e que, nesse processo, o bem-estar do paciente deve ser prioridade. Como ele mesmo coloca, a luta pela vida deve dar lugar à busca por qualidade de vida quando o fim se aproxima.

A leitura de Mortais nos lembra que a medicina, em sua busca incessante por curas, muitas vezes falha em reconhecer que a morte é parte natural da vida. Em vez de prolongar o sofrimento, Gawande propõe que devemos valorizar mais o conforto e o respeito às escolhas individuais. Trata-se de uma obra indispensável para profissionais da saúde e para todos que desejam compreender melhor o processo de envelhecer e morrer com dignidade.

Atul Gawande nos oferece, portanto, uma perspectiva essencial sobre o que realmente importa no final da vida: viver com dignidade, manter a autonomia até onde for possível e priorizar o que traz verdadeiro conforto, mesmo quando o fim é inevitável.

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