Turismo

Washington vai além dos monumentos e é uma das cidades mais legais dos EUA

É preciso pisar leve e falar baixo. Entre colunas enormes, sentado em seu trono, um gigante de mármore olha para frente, enquanto os acólitos se espalham a seus pés. É a estátua de Abraham Lincoln, um dos pais fundadores dos Estados Unidos, no memorial em sua homenagem em Washington D.C.

Ao andar por monumentos cívicos da capital americana como esse, é comum a sensação de estar visitando os marcos de alguma religião. E estamos mesmo, só que de uma religião secular, que crê em um destino manifesto dos Estados Unidos e no modelo de democracia criado pelo país.

Nem adianta tentar, quem resolver visitar D.C., não vai conseguir escapar do turismo cívico. E nem deveria. Para os devotos dos Estados Unidos, vai ser uma disneylândia; para os antiamericanos, é uma experiência de alteridade (não é para isso que se viaja?).

O bom também é que, em um ou dois dias, a depender da disposição, dá para tirar isso da frente.

O National Mall, onde ficam esses monumentos, é um amplo espaço arborizado com os principais marcos nacionais —ótimo para alugar uma bicicletinha, que pode ser elétrica, e ir passando por todos os lugares, do obelisco em tributo a George Washington ao Capitólio e a Casa Branca, entre outros.

Se você não pedala —mas entende inglês—, há serviços de ônibus para turistas que fazem todo o percurso, com guias. É uma maratona um pouco puxada (a reportagem testou o DC Highlights Bus Tour, de quatro horas), mas quebra o galho.

Aí você estará pronto para ver que a capital americana é muito mais do que turismo cívico e talvez seja uma das cidades mais interessantes de se visitar no país.

O motivo? D.C. ata duas pontas: ao mesmo tempo em que parece expressar como poucas a alma nacional americana, é profundamente cosmopolita. Alheia aos mitos nacionais, há uma Washington que pulsa em ruas arborizadas, bairros charmosos e restaurantes descolados.

Os brasileiros ainda não sabem disso. Washington está em nono lugar entre as cidades que os turistas daqui mais visitam nos Estados Unidos, com 3,6% dos viajantes. As primeiras são Orlando (42%), Miami (25%) e Nova York (21%).

De qualquer uma dessas cidades, há voos com preços interessantes para D.C. Se estiver em Nova York, chega-se lá em um pulo: a viagem de trem dura cerca de três horas, e quem quiser viajar de madrugada consegue pagar mais barato (ainda que chegar à Penn Station nesse horário signifique ver ratazanas do tamanho de crianças recém-nascidas).

Para voar sem escalas entre Guarulhos e o Aeroporto Internacional Washington Dulles, há os voos da United, que também oferece a opção de classe executiva, com acesso a sala VIP tanto na ida quanto na volta.

A boa notícia é que, pelo visto, não são só os brasileiros que ainda não descobriram a cidade. Embora receba muitos visitantes americanos (21 milhões), só cerca de 1 milhão de turistas internacionais estiveram lá em 2023, metade para férias.

Na prática, a impressão é de uma cidade que, sim, é turística, mas onde é ainda possível se divertir sem o desconforto de filas gigantescas ou multidões se espremendo em pequenos espaços.

Para andar a pé

Poucas cidades nos EUA são tão convidativas para se conhecer a pé quanto Washington. Há diversos serviços que o turista pode contratar, como os guias do DC by Foot ou do DC Design Tours.

Um bom começo é Georgetown, o charmoso —e rico— bairro às margens do rio Potomac. Comece com um bagel no Call Your Mother, que já figurou em listas dos melhores dos EUA, e saia andando

Dá para desvendar o colorido casario sozinho sem erro; mas, se tiver um guia, as casas ajardinadas se revestem de história.

Há, por exemplo, aquela que, durante a Guerra Civil, foi um dos principais bordéis da cidade, onde as prostitutas só atendiam soldados confederados. Além de canais, becos, restaurantes —e o belo prédio da Universidade de Georgetown.

Para aqueles que gostam de compras, a M Street é o melhor lugar, com opções que variam desde a gigante da fast-fashion H&M a lojinhas hipsters ou mesmo de luxo. É também a rua mais genérica.

O bairro de Capitol Hill —sim, região próxima ao Capitólio— também vale o passeio a pé. Para começar o dia, um dos locais lotados é a padaria Tatte Bakery, com uma ótima seleção de pães, bolos e todo tipo de confeitaria. A quantidade de escolhas é um pouco atordoante.

A região está cheia de cafés e restaurantes chiques, onde se misturam turistas e funcionários da política local.

Há o turismo cívico também, é claro. É possível ir ao parlamento americano —embora a circulação lá dentro seja algo restrita— e esticar na deslumbrante Biblioteca do Congresso. Os dois prédios são interligados.

Para quem gosta de algo mais mundo cão, literalmente, o Museu Postal ali perto preserva empalhado o cachorro Owney, que foi mascote dos correios no século 19 e foi morto com um tiro. Coitadinho.

Uma cidade de museus

Em um país onde quase nada é grátis e tudo está mais caro depois da alta da inflação, Washington tem algo incomum. São 17 museus públicos e gratuitos administrados pela Smithsonian Institution —11 deles só no National Mall.

Entre as opções, uma tem se sobreposto não só pelo impacto de suas mostras, mas também por ser um dos únicos contrapontos à narrativa patriótica do turismo na cidade.

O Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americanas, com projeto arquitetônico do escritório Freelon Adjaye Bond/SmithGroup, mostra a história dos negros na formação dos Estados Unidos —da escravidão à liberdade.

A enorme exposição permanente é cronológica. No subsolo, estão as memórias do período escravocrata. Lá, é possível ver um pedaço do São José, navio negreiro que naufragou em 1794, com 400 cativos, quando estava a caminho do Maranhão, no Brasil.

Na sequência, vêm a segregação racial e a luta pelos direitos civis. O visitante pode entrar em um vagão de trem do período em que negros eram obrigados a viajar separados dos brancos. É um percurso duro de ver. Atento a isso, o museu conclui sua mostra em uma nota mais positiva: nos andares superiores, estão as contribuições culturais dos afro-americanos no país.

A visita é uma das mais disputadas da cidade. Mesmo grátis, é preciso reservar ingressos com antecedência no site do museu. Melhor fazê-lo antes de viajar.

Se não conseguir, é uma pena, mas há museus para todos os gostos —inclusive o mau gosto, claro. É possível passar uma semana em Washington sem conseguir ir a todos.

O Museu Nacional de História Americana, por exemplo, é patriótico, mas eclético. Exibe a um só tempo uma reconstrução da cozinha da apresentadora Julia Child, com objetos originais, até a Star-Spangled Banner, bandeira do século 19 que inspirou o hino nacional. No subsolo, uma lanchonete com comida típica do país: hambúrguer.

As opções são inúmeras. Há o Museu Nacional do Índio Americano. Ou a rica coleção da National Gallery of Art, onde é possível ver a tela “Ginevra de’ Benci”, pintada por Leonardo da Vinci no século 15. Sem falar na National Portrait Gallery.

E essas são as escolhas gratuitas. Quem quiser pagar também pode. O Museu Internacional da Espionagem, por exemplo, custa US$ 30, mais US$ 12 se você quiser ver também uma mostra sobre James Bond, com os carros usados nos filmes.

É uma dessas instituições com mostras interativas. E exibe artefatos ligados ao mundo dos arapongas —desde um machado de gelo usado para matar Leon Trotsky (com uma suposta marca de sangue) a um sutiã que teria pertencido a Mata Hari.

Se parece difícil dar conta de tanta coisa, é porque é mesmo. Não subestime Washington DC. A cidade merece um tempinho de dedicação. Senão, o risco é voltar para casa com a sensação de que deixou algo para trás.

O jornalista viajou a convite da United Airlines e do Destination DC

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