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Evangélicos votam na esquerda inspirados pela Bíblia

Nos últimos anos, pastores evangélicos têm afirmado que votar em candidatos de partidos de esquerda é uma contradição à fé cristã. Segundo esses líderes, tal ato configura um pecado e, consequentemente, uma negação dos princípios da fé.

Todavia, muitos evangélicos escolhem votar em candidatos de esquerda. Nas duas últimas eleições presidenciais, cerca de um terço dos evangélicos preferiu Lula a Bolsonaro. Estariam eles todos cometendo um pecado? Ou pecadores são aqueles que usam politicamente a fé para discriminar e perseguir seus irmãos em Cristo?

É na Bíblia que os evangélicos que votam na esquerda encontram razões para resistir à pressão para alinhar sua fé às bandeiras da direita. A artilharia com base na pauta dos costumes mobilizada pela direita não funciona contra esses evangélicos justamente porque eles acreditam que sua escolha política é coerente com sua fé bíblica.

Afirmar que o cristão que vota na esquerda está apoiando pautas políticas antibíblicas é desonesto. Do mesmo modo que nem todo cristão que vota na direita é, por exemplo, armamentista ou antivacina, cristãos que votam na esquerda não compram o pacote todo das tendências dentro dos partidos de esquerda, por exemplo, ampliação da legislação sobre o aborto ou descriminalização das drogas.

Entretanto, há evangélicos que votam na esquerda justamente por concordarem com o modo como as discussões em torno de temas éticos sensíveis para a sociedade são conduzidos nesse campo político. Isso não os torna menos cristãos que seus irmãos conservadores.

Central para os evangélicos que se identificam com a esquerda é o compromisso histórico desses partidos com a defesa de políticas públicas que favoreçam as pessoas mais vulneráveis na sociedade.

Não podemos esquecer que formas mais antigas de socialismo foram influenciadas diretamente pelo relato do modo como viviam os primeiros convertidos da igreja cristã: “Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade” (Atos 2:44-45).

Evangélicos que votam na esquerda pensam que enquanto a pobreza e a sua face mais cruel, a fome, estiverem presentes fará sentido o apelo para combater politicamente esses males. Eles entendem que a esquerda está preocupada na atuação política em favor dos pobres e que isso é coerente com a Bíblia.

A afirmação de que cristãos não podem votar na esquerda, muitas vezes associada à presença de militantes LGBT e de outras minorias em partidos de esquerda, simplifica uma questão complexa. Por exemplo, não valoriza a amizade e o diálogo de Jesus com grupos marginalizados de sua época. Cristãos que votam na esquerda guiam-se pelos exemplos de inclusão e compaixão de seu mestre e acreditam que tais valores transcendem divisões ideológicas.

Evangélicos que votam na esquerda não estão, com seu voto, aprovando regimes autoritários de inspiração socialista. Trata-se apenas de voto na esquerda que aceitou as regras da democracia eleitoral e busca fazer avançar políticas públicas mais inclusivas por essa via. É por essa razão que não faz sentido para eles o argumento da direita de que estariam apoiando partidos que querem implantar a ditadura.

Preocupa-me que lideranças evangélicas utilizem o voto neste ou naquele partido para julgar se uma pessoa é cristã ou não. Não escrevo para defender o voto na esquerda ou na direita, mas para defender a liberdade de consciência de cada pessoa para votar levando em conta o que faz sentido para ela.

É legítimo que aqueles que votam na direita busquem justificar sua escolha a partir da Bíblia. Da mesma forma, os evangélicos que optam pela esquerda também têm o direito de mostrar como sua fé bíblica se relaciona com seu voto. Pecado grave contra o protestantismo é dizer que só há um jeito de interpretar a Bíblia, seja de direita ou de esquerda.

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