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A advocacia pode tudo?

Os motores do Estado de Direito dependem de diferentes operadores jurídicos para girar. Entre as profissões responsáveis pela boa ou má qualidade da aplicação da lei, a advocacia tem gozado do benefício da falta de escrutínio público. Essa condescendência produz cegueira e atrofia a capacidade de nomear e julgar práticas violadoras de normas da profissão.

Já nos acostumamos a olhar as más condutas judiciais com atenção crítica. Já nos permitimos o deboche da afetação magistocrática para desopilar a indignação e iluminar o patético por trás de tanta verborragia, cumplicidade e alienação diante do Brasil empírico. Já sabemos as razões por que a pornografia magistocrática perdeu até o autorrespeito, mesmo que preserve poderes e ainda teste os limites da indecência.

Não dedicamos tempo e energia a catalogar a falta de modos advocatícios que se dissemina. Melhor dizendo, a perceber delito ético e ilegalidade em práticas rotinizadas.

Por exemplo: construção de canais de lobby e influência, uso disfarçado de jornalistas e da comunicação pública, simulação de imparcialidade para defesa de clientes não declarados, mercantilização dos laços familiais para abrir portas da justiça, ofuscamento de conflito de interesse, consultoria sem transparência, litigância de má-fé. Ou deturpação de ferramentas jurídicas para ameaçar e assediar adversários do litígio.

Assim como a magistocracia não habita a totalidade do território judicial, obviamente tratamos apenas de uma parcela da comunidade de advogados. Mas você sabe do que estamos falando, sem generalização. Essa parcela começa a governar a entrada nos palácios da magistocracia.

Essa advocacia construiu estrutura discursiva de blindagem. Como guardiões da ampla defesa e do devido processo legal, força visão imperial de suas prerrogativas, dispositivo retórico sempre em riste. E por meio desse artifício ainda conserva, por exemplo, direito à prisão especial mesmo depois de o STF extinguir o mesmo privilégio de bacharéis; regime tributário mais vantajoso para sociedades de advocacia; sistema recursal labiríntico que produz atraso, prescrição e injustiça em favor de quem pode pagar o advogado maestro de chicanas.

Curiosamente, o Código de Ética da advocacia enfatiza a natureza pública da profissão e pede ao advogado que subordine a “atividade do seu ministério privado à elevada função pública que exerce”. Contudo, em vez de “pugnar pela solução dos problemas da cidadania”, muitos têm contribuído, a pretexto da defesa de cliente, para a corrupção institucional.

É urgente perceber como certas táticas advocatícias não se reduzem a mero estilo de jogadores habilidosos na busca da defesa de clientes. Não há nada “arrojado”, “aguerrido” ou “criativo” na escolha por quebrar padrões de legalidade e de convenções profissionais.

Mais curioso é perceber que empresas ciosas por seu padrão de governança não enxergam incoerência ou dano reputacional ao contratar e patrocinar métodos que corrompem a justiça. E ainda mandam seus advogados para fóruns de Lisboa. Parece inocente autoengano, mas mostra a fragilidade de sua promessa de “compliance”.


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