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Lei não acompanhou crime no RJ, e rigor vem de Cármen Lúcia, diz procuradora eleitoral

A procuradora regional eleitoral Neide Cardoso de Oliveira, 55, afirmou que a ampliação do rigor da Lei da Ficha Limpa contra candidatos com supostos vínculos com o crime organizado, adotada nesta eleição no Rio de Janeiro, partiu de uma sugestão da presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Cármen Lúcia.

Segundo Oliveira, há uma ausência da regulamentação na Lei Eleitoral sobre como analisar a vida pregressa de um candidato, como determina a Constituição. A procuradora afirma que a previsão legal de impedir a postulação de pessoas com condenações por órgãos colegiados não é suficiente.

“A legislação não acompanhou a realidade que nós estamos”, disse ela à Folha.

Como a Folha mostrou, a Justiça Eleitoral no Rio de Janeiro tem vetado candidatos até sem acusação criminal sob alegação de suspeita de envolvimento com o crime organizado. Há, porém, pessoas condenada que tiveram o registro deferido.

Oliveira reconhece que ainda não há um critério objetivo traçado e que o entendimento ainda depende da análise do TSE, caso recursos cheguem até a corte superior. “São várias situações que acabam ficando caso a caso, enquanto não há uma previsão legislativa a respeito disso.”

Qual é a origem desse entendimento que tem sido dado às candidaturas de acusados de envolvimento com o crime?

É um esforço conjunto vindo desde o TSE. Nós recebemos da Procuradoria-Geral Eleitoral uma orientação nesse sentido, de que atuássemos nessas candidaturas e tivesse essa orientação aos promotores locais.

Da mesma forma, o TSE, pela ministra Carmen Lúcia, fez uma reunião com todos os PREs justamente para pedir esse esforço nosso de que essas candidaturas não fossem adiante, tendo em vista exatamente essa questão do princípio da proporcionalidade entre a questão da insuficiência normativa da lei complementar 64 de 1990 [Lei da Inelegibilidade], que não prevê como causa de inelegibilidade a vida pregressa do candidato, diante dessas candidaturas que são ligadas às organizações criminosas, frente ao princípio fundamental previsto na Constituição de liberdade do voto, da garantia do processo eleitoral livre.

A Lei da Ficha Limpa, quando veda condenados por grupo colegiado, não cumpre essa regulamentação?

Não, porque muitas pessoas não têm essa condenação em segundo grau. Muitas pessoas têm vários processos, às vezes já tem uma condenação em primeira instância e não tem essa condenação em segundo grau. E tem pessoas até que não têm processo nenhum, e nós sabemos que pela comunidade local que elas são ligadas diretamente a essas organizações.

Então é justamente por conta disso.

Com a previsão na Constituição, no artigo 14, parágrafo 9, que fala da vida pregressa, a gente pode utilizar a previsão constitucional, que é superior à legislação, para poder impugnar essas candidaturas.

Essa é uma posição que foi fomentada pela própria ministra Cármen Lúcia. Mas esses recursos vão chegar no TSE e vamos ver como será a atuação. Mas no Brasil todo, eu tenho conversado com alguns colegas, a atuação tem sido nesse sentido.

Há casos, porém, em que não houve impugnação mesmo com condenação, como a filha do Fernandinho Beira-Mar.

Tanto os promotores em primeira instância quanto os procuradores regionais e eleitorais têm independência funcional. Então, por mais que nós passemos essa orientação, cada colega age de uma forma.

Nessa conversa com a ministra, foi estabelecido algum critério objetivo?

O critério é a gravidade das investigações, e aí fazer essa análise pontual, caso a caso.

Esses casos específicos acabam mostrando que o critério talvez ainda não seja muito claro para muitos promotores.

É uma situação nova que nós estamos enfrentando. A legislação não acompanhou a realidade que nós estamos. Há um esforço de adaptação de todos.

O processo de registro de candidatura é muito rápido. Então, ele dá muito pouco espaço para o contraditório, para a análise das provas. Isso não pode, nesse esforço contra o crime, gerar injustiças?

Sim, mas as pessoas vão recorrer, e dentro do recurso, ainda que o prazo seja breve, há espaço ao contraditório.

Há o caso de um candidato em Nova Iguaçu que tem uma acusação criminal sem relação com milícia ou tráfico, mas com administração pública. Isso também entra nessa lógica.

Eu entendo que sim, no sentido de que fere ali a probidade, que aquele candidato não é o melhor para o cargo que ele está concorrendo. Acho que também daria margem a se discutir. Mas fica mais difícil, porque o que nós estamos tentando evitar é que organizações criminosas ligadas ao tráfico, às milícias cheguem a postos no Poder Executivo. Só que tem vários crimes graves e daqui a pouco você está estendendo para o Código Penal inteiro. Mas acho que pontualmente, [como um candidato] que está concorrendo a prefeito, mas faz parte de uma organização de desvio de dinheiro público… São várias situações que acabam ficando caso a caso, enquanto não há uma previsão legislativa a respeito disso.

Não é um poder excessivo para a Justiça Eleitoral, que acaba julgando em poucas semanas uma situação que, às vezes, é muito complexa, e duraria anos na Justiça criminal?

Por isso que tem que ser analisado cada processo. Às vezes, não basta só uma investigação criminal. Tudo isso tem que ser analisado, se levado em conta.


Raio- X: Neide Cardoso de Oliveira, 55

Procuradora regional eleitoral do Rio de Janeiro, fez gradução em direito pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), com especialização em direitos humanos nas relações de trabalho pela UFRJ. É membro do Grupo de Enfrentamento sobre Violência Política de Gênero da Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral.

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