NotíciasPolítica

Debate ganha ares de guerra religiosa e pode provocar 'efeito fariseu'

O debate Folha/UOL entre candidatos a prefeito de São Paulo foi um teste de resiliência para o segundo mandamento que Deus transmitiu a Moisés, conforme a Bíblia: não tomar o nome do Senhor em vão.

Pablo Marçal (PRTB) acendeu o pavio religioso ao sugerir que Ricardo Nunes (MDB), com quem divide o eleitorado evangélico pau a pau, é um cristão de araque.

O influenciador inquiriu Nunes a “mostrar aos evangélicos que você quer os votos deles” e desafiou: “Cita aí pelo menos duas igrejas de Apocalipse, mostra quem é o pai de Melquisedeque, mostra para nós pelo menos dois filhos de José, mostra que você é assíduo na palavra, homem de oração”.

Único evangélico no páreo, também sugeriu que o prefeito explora a religião de forma oportunista, como teria feito no confronto prévio, na Record do bispo Edir Macedo, ao citar passagem do Evangelho de Mateus. “A Bíblia tem mais de 30 mil versículos. Ele não consegue citar nem dois, mas o que o marqueteiro escreveu ele deu conta. Deu uma embananadinha, mas…”

Nunes rebateu contando ter um grupo de oração em casa, citando um salmo (“quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união”) e lembrando que é ele, e não o adversário, quem tem respaldo de pastores fortes na cena crente.

Também disse que Marçal forçou a barra ao reclamar para si o endosso do pastor José Wellington Bezerra da Costa, do poderoso Ministério Belém da Assembleia de Deus. “Sabe o que fica feio para você? Ir lá na Assembleia de Deus, falar com um grande líder e depois ficar postando que ele apoia você, e não te apoia.”

José Wellington chegou a fazer o M com as mãos no dia, mas um filho dele disse que o pai só recebeu o ex-coach por educação. Nunes, aliás, esteve na igreja depois disso.

Tabata Amaral (PSB) juntou-se à lona para dizer que “o bom cristão demonstra seus valores por atos, e não palavras bonitas”, e que ser desonesto não é de Deus. “Quanta gente aqui já foi condenada, que é investigado? Onde é que está na Bíblia que cristão rouba? Que cristão dá golpe?”

Marçal contra-atacou: Nunes, disse, tem simpatia de pastores beneficiados com verbas públicas, e Tabata não está a fim de falar sobre religião porque não teria repertório para tanto.

A pessebista, católica como o prefeito, afirmou que não precisa ficar “esbravejando” sobre sua fé e resgatou o episódio em que Marçal, ainda na pele coach, tentou fazer uma cadeirante andar (“visualiza você no Reino, plena, dançando com o Senhor”). Ele respondeu que jamais negaria uma oração a quem quer que fosse. Na hora, falavam sobre políticas para pessoas com deficiência.

Mais adiante, Nunes reforçou ser um cristão “a favor da vida” quando o tema era o aborto legal na cidade. O candidato do PRTB retrucou evocando a figura de Marta Suplicy, ex-secretária do prefeito e hoje vice de Guilherme Boulos (PSOL).

Marta não é a figura mais benquista na liderança evangélica. Foi ela a autora, enquanto senadora, do PL 122, que criminalizava a homofobia e irritou pastores, temerosos de serem presos caso pregassem contra relações homoafetivas em suas igrejas.

Marçal enveredou também pelas entrelinhas religiosas, com referência velada à Bíblia. Disse, por exemplo, que indenizaria “quatro vezes mais” a quem tivesse lesado. A alusão é a Zaqueu, cobrador de impostos que aparece no Novo Testamento prometendo devolver o quádruplo do que tivesse extorquido de alguém.

Ranieri Costa, teólogo e autor de “Teologia Coaching: A Ilusória Ideologia de que Nascemos Só para Vencer”, já havia mapeado essa estratégia de fazer acenos ao eleitor cristão sem explicitar a fonte.

Em debates prévios, Marçal disse que antes de ser amado se é rejeitado, tal qual Jesus, e acusou Marina Helena (Novo) de o vender por 30 moedas de prata, valor que Judas levou para trair Jesus. Também preconizou um “dia de vingança” em São Paulo, repeteco de expressão do Livro de Isaías.

Marçal buscou colar nele o título de “representante autêntico dos evangélicos”, aponta o cientista político Vinicius do Valle, do Observatório Evangélico. “O que a gente vê aí? Uma tentativa de dizer, olha, [Nunes] não é evangélico, ele está sendo apoiado pelo sistema, que inclui alguns pastores, e eu sou verdadeiramente evangélico.”

O prefeito, por sua vez, afirmou que o oponente mente sobre ter apoio do nonagenário José Wellington. Enquanto isso, o pastor Silas Malafaia, que há semanas vem publicando conteúdo contra o influenciador quase todos os dias, disparava para rede de transmissão no WhatsApp: “Pablo Marçal é direita? Só kkkkk”.

Em 2006, os pesquisadores Larry Powell e Eduardo Neiva cunharam a expressão “efeito fariseu” para falar de um candidato republicano nos EUA que falava muito de Deus, mas não aparentava exercer a fé no dia a dia.

O tucano José Serra teria padecido desse mal quando disputou com Dilma Rousseff (PT) a eleição de 2010. Caprichou na construção de uma persona religiosa e chegou a distribuir santinhos onde se lia “Jesus é a verdade e a justiça”. “Quando o aborto da esposa veio à tona, ele foi desmoralizado e perdeu votos”, rememora o sociólogo Alexandre Landim.

O que se vê no pleito atual é um candidato tentando grudar no outro a carapuça de fariseu da vez. Numa das várias passagens bíblicas contra essa turma, Jesus diz que “por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade”. A guerra religiosa deve ter mais batalhas pela frente.

source

Compartilhe:
WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com