CovidNotícias

Na contra mão do STF, SC aprova lei para multar duas vezes usuário de maconha; entenda

A Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc) aprovou um projeto de lei que estabelece uma multa de um salário mínimo para quem portar ou usar entorpecentes em ambientes públicos no território do estado.

Com a aprovação, a matéria seguirá para sanção do governador Jorginho Mello (PL).

Único parlamentar a votar contra o projeto, o deputado estadual Marquito (PSOL-SC) argumentou que a matéria é inconstitucional porque o assunto seria de competência federal.

Publicidade

“O debate sobre drogas é mais amplo. Se resolve com muita inteligência, pesquisa e investigação”, disse.

À CNN, o advogado Gustavo Sampaio, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), explicou que a questão divide a opinião dos especialistas.

Os juristas se dividem entre aqueles que entendem que a matéria é de competência concorrente entre União e Estados, e aqueles que interpretam no sentido de que se trata de competência privativa da União Federal. Para quem interpreta pela competência concorrente, é possível que o Estado legisle e determine a imposição da multa”, afirmou.

Sendo sancionada, a nova lei irá coexistir com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que descriminalizou o porte de maconha no país – mas o manteve como ilegal.

Em conjunto, isso significa que usuários da droga poderiam ser punidos duas vezes, com diferentes sanções, pelo mesmo ato, segundo especialistas consultados pela CNN.

O projeto

A multa estipulada pelo projeto de lei catarinense será aplicada a pessoas que forem autuadas por portar ou consumir drogas ilícitas em espaço aberto ou fechado nas proximidades de órgãos, instituições ou construções públicas, incluindo vias e parques.

Segundo o texto, o valor da multa, de um salário mínimo — R$ 1.412, em 2024 —, seria revertido ao Fundo para Melhoria da Segurança Pública do Estado de Santa Catarina.

“Os objetivos desta proposição são bastante simples: criar mais um meio coercitivo a fim de evitar a contaminação das ruas com indivíduos ‘fora de si’ e desorientados, facilitar o processo de limpeza dos espaços públicos e prezar pela segurança dos cidadãos catarinenses”, afirmou o deputado Jessé Lopes, autor do projeto, na justificativa.

A decisão do STF

A decisão do STF estabelece que o porte de maconha para consumo pessoal deixa de ser crime e se torna um ato ilícito administrativo.

Isso significa que as pessoas não podem ser condenadas criminalmente por portar até 40 gramas de maconha para consumo  punir usuário mCONH. O critério da quantidade, no entanto, é relativo e pode ser desconsiderado se houver outros elementos que indiquem tráfico.

Ainda que sem a possibilidade de condenação, os usuários ficam sujeitos a punições como advertência sobre os efeitos das drogas e medida educativa de comparecimento a curso.

O que dizem os especialistas

Segundo especialistas consultados pela CNN, apesar de haver divergência entre juristas sobre a qual nível federativo compete o tema, a multa é uma forma de punição administrativa que poderia coexistir com a decisão do STF.

O advogado criminalista Matheus Felipe de Castro, professor na Universidade Federal de Santa Catarina, explicou que, na teoria, um usuário de maconha poderia ser punido no estado duas vezes, com sanções diferentes – uma pela norma estadual e outra pela norma federal.

Segundo ele, como “não há incidência de duas sanções iguais sobre mesmo fato” poderia haver “aplicações independentes e paralelas” das legislações.

O professor da UFF Gustavo Sampaio reitera, porém, que o cenário vale “para quem entende que a competência é legislativa de caráter concorrente. Para quem entende pelo caráter privativo da União, a sanção estadual não terá validade constitucional”.

De acordo com a especialista em direito penal Luisa Ferreira, em tese, a lei não conflita com a decisão do STF por se tratar de uma “multa administrativa” – ou seja, não há um processo penal envolvido.

Apesar disso, Luisa afirma que, se algum órgão entender que a lei estadual sobrepõe a decisão da Corte e entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), o Supremo poderia anular a legislação catarinense.

Segundo Sampaio, caso houvesse pedido de ADI, a Suprema Corte analisaria “se a lei estadual está ou não de acordo com os parâmetros fixados pela Constituição da República, que fixa as regras de partilha de competência legislativa entre a União, os Estados e os Municípios”.

Na avaliação do advogado Thiago Bottino, professor da Fundação Getúlio Vargas Direito – Rio, “os governos estaduais têm competência para regular normas de conduta e punir o descumprimento dessas normas”.

Desse modo, não haveria problema de acúmulo de duas punições, por se tratar de medidas distintas.

“A questão só ficaria complicada se você tivesse, também, a mesma previsão no âmbito federal ou municipal, e aí a pessoa não poderia ser multada várias vezes pelo mesmo fato.”

*Com informações da Agência Alesc