Té Silva: o bacanismo está em alta
Afinal de contas, pra cada cena desta cidade, existe uma palavra, uma expressão, uma boca se arrastando, te puxando pras profundezas de um vocabulário retorcido e distorcido, carcomido, “cupenizado”, mais ou menos como se cada verbete do Aurélio fosse a lataria de uma Cherokee se oferecendo para ser arranhada, triscada e atingida, na altura do carburador, por flechas enfeitiçadas de São Sebastião.
Vou ficar em dois exemplos de gírias, para não tomar muito o tempo do leitor, tão ocupado com as redes sociais hoje em dia. A primeira, a mais descompromissada de todas, o nosso feijão com arroz, é a conhecidíssima “valeu”. Sou também um adepto do “valeísmo” e suas tranças infinitas pelas gentilezas da cidade. Uso com orgulho e generosidade o “valeu” para amigos, inimigos, árvores e animais.
Outra gíria que cresce à sombra de nossos oitis é uma palavra que do belo vai muito além: “beleza”. Essa é uma expressão que, fora do seu contexto natural, demonstra consentimento, concordância e harmonia. A paz entre os homens sobre a terra. Estou exagerando? Talvez, mas eu gosto. Sou português (já disse?), mas amo tanto ouvir alguém responder “beleza” para mim que decidi incorporar definitivamente a expressão a todo final de pergunta que faço, beleza?
Aí tem São Paulo, né…
Não chega a ser propriamente uma gíria, nem sei muito bem de que buraco da língua saiu, mas tem uma palavrinha que venho escutando muito da boca dos paulistas. “Bacana”. A expressão é mais ou menos o nosso “legal” do Rio, num sincretismo semântico que tem um paralelo no semáforo/sinal, bolacha/biscoito, tangerina/mexerica. Todo mundo tá respondendo “bacana” por lá, e confesso que o “bacanismo” é uma forma bem empática de levantar a autoestima do nosso interlocutor (brother, aqui no Rio!!).
Da minha parte, já adotei definitivamente a palavra “bacana” no meu vocabulário, de um modo bem abrangente, assim como estou pegando emprestado dos paulistas a expressão “imagina”. Repare ! Eles usam também bastante, e é um jeito de parecer mais educado ainda do que falar somente “bacana”. É um nível acima. Se você pede desculpas a alguém, o paulista diz: “imagina”. Então, o “imaginismo”… esse eu também incorporei de forma irremediável!
A verdade (das mais sinceras) é que sou meio esponja em relação a essas coisas, muito devido à minha facilidade desde criança com línguas e variações linguísticas. Foi assim após uma viagem à Bahia na juventude, quando trouxe na bagagem a expressão “pronto”, que eles usam a torto e a direito, mesmo quando a moqueca de maturi não está pronta, o que causa um verdadeiro nó na cabeça de pessoas racionais como eu. Mas o máximo da minha aventura pela linguagem aconteceu mesmo após uma viagem de lua de mel para Itália. Conto já…
Tanto achei divertido os italianos dizerem a palavra “prego” para tudo que passei a usá-la de modo contínuo e inadvertido no Brasil. No bar, no banco, no ônibus, para o guarda que me multava, pro meu chefe sisudo e até em tarefas domésticas com minha companheira. Só me dei conta que estava exagerando, que a coisa já ultrapassava os limites da afetação e da sanidade mental, quando o porteiro do meu prédio, de tanto eu falar prego para isso e prego para aquilo, me resgatou de volta a terras brasileiras. Foi assim o breve diálogo entre o morador do 302 e o Sr. Zé:
-Quer que recolha o lixo da porta do seu apartamento agora?
-Prego.
-Que negócio é esse de prego, homem? Vixe….
Aquilo me atingiu quase como o raio de uma epifania. Imediatamente me desafeiçoei do “prego” e, como se tivesse sido seduzido completamente pelas asas coloridas de um passarinho em pleno voo, fui levado a outra beleza lingüística, em cujas águas me banhei pelos quatro meses seguintes.
Foi só então que abandonei definitivamenteo o “preguismo” e teve início, de forma avassaladora, o “vixismo” em minha vida!!!